Os fetos anencéfalos possuem uma alma? Onde fica o espírito
de uma pessoa viva? Será no cérebro? Anomalias fetais:
devemos abortar? (5). Alguns oferecem
opinião com facilidade, mas decidir nem sempre é
fácil. No caso Daniel Dantas a operação Santiagraha
da Policia Federal prendeu o banqueiro. No entanto, por decisão
do presidente do Supremo Tribunal Federal ele foi solto. Esta
decisão dividiu opiniões. Um especialista acha que
o ministro tem razão, outro fala em “abuso de direito”,
chegando a dizer que merece “impeachment”.
O aborto de anencéfalos
é tema que vai produzir muita divisão, como aconteceu
com o das células-tronco embrionárias. Mas nós,
os espíritas, vamos decidir examinando a obra de Kardec,
como fazem os bons juristas ao estudarem a Constituição
da República. Estes a examinam como um todo, não
escamoteiam artigos nem esquecem princípios fundamentais.
Kardec era descendente de família que se destacou na magistratura
e nas lides forenses (1).
Renata Mariz (6)
escrevendo sobre o aborto de fetos anencéfalos diz que
“a pauta recheada de polêmicas só começou.
Depois da agitada — e quase empatada — votação
sobre o uso de embriões humanos em pesquisas científicas
(que terminou 6 a 5 pró-pesquisas sem restrições),
novos julgamentos controversos estão prestes a ser travados
no Supremo Tribunal Federal (STF)”. André Luiz comenta
no livro Libertação, psicografia de Francisco Candido
Xavier, FEB Editora, que “chega sempre um instante no mundo
em que nos entediamos dos próprios erros”. Na evolução,
esse é o momento em que nasce o homem-ministro novo através
da reflexão bioética, que agora consegue perceber
com sua natureza transdisciplinar.
No livro do espírito André
Luiz, no capítulo 14, intitulado “Singular Episódio”,
o espírito Leôncio, diante dos mensageiros do bem
e dos fatos que havia presenciado, experimenta seus primeiros
momentos de transformação. Caindo em si, lembra
que seu herdeiro ainda reencarnado está sendo envenenado.
Nesta hora não hesita em pedir ajuda: “Benfeitor,
por piedade! Meu desventurado Ângelo permanece à
beira do túmulo... Admito que o fim do corpo esteja marcado
para breves dias, se mãos amigas e devotadas não
nos socorrerem à altura de nossa indigência. Já
fiz tudo quanto se achava ao alcance de nossas possibilidades,
porém sou parte integrante de uma falange de seres malvados
e o mal não salva, nem melhora ninguém”.
Renata Mariz (6)
informa que da lista de controvérsias que dividem a sociedade,
a primeira a sair da gaveta deve ser a ação que
pretende descriminalizar o aborto de fetos sem cérebro,
ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores
na Saúde (CNTS). O ministro Marco Aurélio Mello,
relator do processo, que está parado desde 2004 no STF,
vai agendar para agosto a segunda audiência pública
da história do tribunal, com o objetivo de discutir a questão.
A primeira, e até agora inédita, foi pedida em abril
do ano passado para debater o tema das células-tronco embrionárias”.
Agora, em agosto de 2008 teremos
que tomar nova decisão. Após o recesso de julho,
o Supremo Tribunal Federal julgará o aborto de fetos anencéfalos.
Algumas informações
aparentemente velhas necessitam de nova leitura, porque talvez
não tenhamos observado o detalhe que pode modificar o pensamento,
como aconteceu não apenas com Leôncio no “Singular
Episódio”, na presença do mensageiro do bem.
“O mal não salva, nem melhora”. Espíritas,
ou não, cometemos erros diante do julgamento anterior,
mas “chega sempre um instante no mundo em que nos entediamos
dos próprios erros”. Por isso, parece pertinente
examinar recente artigo do professor universitário Décio
Iandoli Júnior, sobre as Células, a Ciência
e o Espiritismo, que está na página da Associação
Jurídico-Espírita do Estado de São Paulo
com o título “Quando Começa a Vida“
(1).
Renata Mariz (6)
lembra que foi o ministro Marco Aurélio que autorizou,
com uma decisão liminar, em julho de 2004, a retirada de
fetos sem cérebros do útero materno e que três
meses depois da liberação, porém, o plenário
do Supremo decidiu derrubar a liminar.
Na madrugada em que os ministros
tornavam novamente crime a interrupção da gravidez
no caso de anencéfalos, sujeita a três anos de prisão,
Severina Ferreira estava no leito de um hospital em Pernambuco.
Grávida de quatro meses, ela se submeteria à cirurgia
naquela manhã de 20 de outubro de 2004, pois seu bebê
não tinha cérebro.
Severina conta que foi o médico
quem lhe informou que o parto antecipado estava proibido no país.
Restou-lhe batalhar por uma autorização judicial
para o procedimento, que só veio aos sete meses de gestação.
Estimativa do Instituto de Medicina Fetal mostra que já
chegaram à Justiça brasileira cerca de 3 mil pedidos
de aborto de anencéfalos — 97% deles aceitos pelos
juízes.
Atingida pela tipicidade a ilicitude
inerente a conduta pode ser desprezada se estamos diante de determinadas
circunstâncias previstas no código penal. Essas circunstâncias
são referidas como excludentes de antijuridicidade. Assim,
mesmo que a conduta típica seja praticada a circunstância
a justifica e afasta a ilicitude. Um exemplo é o estado
de necessidade, onde, não havendo outro meio, se acaba
lesando o interesse de outro. A legitima defesa (para repelir
injusta agressão), o estrito cumprimento do dever legal
(dever imposto mediante lei) e o exercício regular de direito
(cirurgião produz lesões corpóreas) são
outros exemplos.
Renata Mariz (6)
diz que se no meio judicial há um relativo consenso, o
tema é explosivo na seara religiosa e que o padre Luiz
Antonio Bento, membro da Comissão de Bioética da
Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
teme que a aprovação da matéria abra as portas
para a legalização irrestrita do aborto e a prática
da eugenia. Diz ele: “A criança que está sendo
gerada com anencefalia é como qualquer outro ser humano,
que merece respeito e dignidade. Se matamos o bebê com anencefalia
hoje, o que faremos amanhã com os deficientes físicos?”
Informa a jornalista do Correio
que “a CNBB teve negada, pelo ministro Marco Aurélio,
sua candidatura à posição de amicus curiae
(espécie de perito especializado ouvido como parte em processos
no STF) no caso dos anencéfalos. Do outro lado, a favor
da liberação, está a Conectas Direitos Humanos,
uma organização não-governamental”
que ainda não tinha tido resposta de sua candidatura.
Estado de necessidade nos faz
lembrar o artigo de Raquel Donato (3),
no nosso Jornal dos Espíritos. Nele nos entristecemos ao
lembrar que a fome ameaça 100 milhões de criaturas.
A fome não tem ética. Raquel nos lembra para agradecermos
a Deus o alimento disponível e nos pede para doarmos de
coração uma parte da refeição em favor
dos necessitados. Também parece difícil ser ético
durante uma guerra e, no Brasil, na política.
Vamos lembrar com Lodi da Cruz
(2) o ano 70 d.C.. A cidade de Jerusalém
foi sitiada pelo general Tito, em represália a uma rebelião
dos judeus. “Os zelotes percorriam as ruas em busca de alimento.
Duma casa saía cheiro de carne assada. Os homens penetraram
imediatamente na habitação e pararam diante de Maria,
filha da nobre família Bet-Ezob, extraordinariamente rica,
da Jordânia oriental. Maria tinha ido como peregrina a Jerusalém
para a festa da Páscoa. Os zelotes ameaçaram-na
de morte se não lhes entregasse o assado. Perturbada, a
mulher estendeu-lhes o que pediam, e eles viram, petrificados,
que era um recém-nascido meio devorado – o próprio
filho de Maria".
Cruz diz “que se poderia
tentar justificar a atitude da mulher faminta, com o seguinte
argumento: se ela não tivesse matado o próprio filho,
ambos teriam morrido; ao matá-lo para saciar sua fome,
pelo menos uma das vidas foi poupada”. No entanto, afirma
que nunca é lícito matar diretamente um inocente,
nem sequer para salvar outro inocente. Em seguida nos faz pensar,
quando pergunta se diante dos conhecimentos biomédicos
atuais, na prática, o aborto realmente pode servir de meio
para salvar a vida da gestante?
O católico, ao oferecer
um exemplo questiona outra vez. Diante de uma intervenção
cirúrgica cardiovascular em uma mulher grávida que
poderia ter como conseqüência a morte do nascituro
o que se deve fazer? Cruz aponta quatro condições
para podermos praticar atos que tenham duplo efeito, um bom e
outro mau. Desta forma nos coloca diante do principio da causa
com duplo efeito na Academia de Medicina do Paraguai.
Apresenta outro caso para julgamento
pelo ministro do supremo tribunal de nossas consciências:
“uma mulher grávida sofre de uma infecção
renal. O médico prescreve-lhe um antibiótico. Há,
porém, o perigo remoto de a droga causar danos ao nascituro.
No entanto, não há outro antibiótico que
seja menos nocivo ao bebê e nem é possível
esperar o nascimento da criança para iniciar o tratamento”.
O que fazer?
O espírita não pode
deixar de ler “o principio da causa com duplo efeito”
dos médicos paraguaios, descrito no artigo do católico
Cruz (2).
Anteriormente, desejando estimular
a reflexão espírita respondemos a pergunta: deve-se
aceitar o aborto para “salvar a vida” da gestante
portadora do vírus da AIDS, grávida pelo estupro?
(4)
Antes de prolatar a sentença
não podemos esquecer que somos arquitetos do próprio
destino. Nossas ações, decisões, produzem
reações, diante da Lei. Por isso, herança
aqui é “conquista” pessoal. Não haverá
injustiça na hora do inventário. A melhor parte
ficará com aquele que não apenas admirar a ética
espírita, mas colocá-la em prática.
A condição passageira
de “estar” ministro pode ser uma provação,
mas os espíritos superiores disseram que a paternidade
é missão. Até diante da anencefalia? (5)