Luiz
Carlos Formiga
> Espinho na carne
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ESPINHO NA CARNE.
INFANCIA-ADOLESCENCIA-VULNERABILIDADE SOCIAL
"JR é hemofílico.
Contundiu-se em um jogo de futebol. Pai analfabeto, desempregado,
não tem recursos para a medicação indicada.
JR foi ao hemocentro que atende hemofílicos. A internação
deixou-o nervoso. O estresse prejudica o processo de coagulação.
Piorou, a ponto de sangrar em vários pontos do corpo.
Os cuidados de enfermagem tiveram que ser constantes. Ele também
está infectado pelo vírus da AIDS.
Isolado, sozinho e com saudades passou a ter comportamento difícil,
recusando a medicação, grita com médicos
e enfermeiras. Tornou-se problema.
No entanto, não é um paciente problema, mas uma
criança que está sofrendo, que quer levar uma
vida normal, ir para casa e brincar.
JR não sabe que tem AIDS. Seu estado emocional não
permite que seja informado. Se ele não entende por que
tem hemofilia, como explicar-lhe por que tem AIDS? JR tem, apenas,
11 anos."
Em 1977, quarenta anos atrás, fiquei estupefato
lendo a Revista de Pediatria (vol. 43).
Um artigo relata 21 casos de tentativas de suicídio em
crianças, 9 a 14 anos, por ingestão de produtos
químicos.
Ainda hoje trago o espinho na carne.
Após o atendimento médico, foi feito estudo das
condições e circunstâncias sociais/familiares
que pudessem estar relacionadas direta ou indiretamente com o
evento, e ainda uma análise dos fatores que pudessem permitir
a distinção entre a encenação suicida
e a verdadeira tentativa.
Dentre os fatores sociais/familiares relacionados com a tentativa
e as circunstâncias precipitantes, destacam-se o alcoolismo
dos pais em 6; mau relacionamento em 5, e a ausência em
3. Como precipitante - desavença familiar.
Em 13 casos as mães tinham atividades profissionais diurnas
fora de casa e, usualmente, seus filhos menores ficavam apenas
na vigilância do mais velho. Em 14 casos, o número
de irmãos variava de 4 a 8 e em apenas um caso foi encontrado
filho único.
Os Centros de Atenção Psicossocial Infanto-juvenil
(CAPSi) são as principais instituições públicas
de saúde a oferecer atenção diária
a crianças e adolescentes que demandam cuidados em saúde
mental. Nesses Centros, os profissionais são mobilizados
para casos de uso abusivo de álcool/drogas, autismo e outros
transtornos.
O trabalho com os familiares pode se tonar um dos maiores desafios,
porque são pessoas carregadas de angústia, buscando
respostas para os sintomas, tratamento e acolhimento dos filhos.
Por outro lado, elas também sentem muita dificuldade em
lidar com a doença dos filhos.
Os profissionais de saúde terão que ajudá-los
a exercerem suas funções de cuidado, e, ainda, resistir
à vontade de assumir os seus lugares. Faz-se necessário
um trabalho clínico para que estes desenvolvam ou resgatem
capacidades maternas e paternas.
Crianças e adolescentes que fazem uso de drogas lícitas
ou ilícitas, nos dias de hoje, transformaram-se numa questão
de extrema gravidade, fazendo emergir a angústia dos profissionais
que os atendem e os posicionamentos polêmicos que envolvem
o assunto. Manter um adolescente usuário de drogas em tratamento
com outros casos e faixas etárias distintas implica para
a equipe uma série de dúvidas relacionadas ao manejo
adequado e à relação desses sujeitos com
os demais pacientes.
Sentindo-se impotente, essas equipes ainda podem se sentir sem
as possibilidades de contar com outros setores para o cuidado
desses casos difíceis e podem se aprisionar em discussões
e queixas repetidas.
O autismo é outro grande desafio para a prática
clínica onde os profissionais compartilham também
muitas dúvidas sobre a forma de intervenção,
condução do tratamento, além de incômodo
diante da angústia dos familiares, que sempre buscam respostas
e resultados rápidos. (1)
Aos desafios acima, podemos somar a questão do prazo de
validade da atual definição de saúde que
é utópica e já ultrapassada, na visão
de alguns profissionais de saúde. Dizem que ela visa uma
“perfeição” inatingível separando
o físico, o mental e o social. Não se pode fazer
a clivagem entre mente e soma, “devendo-se tratar o doente
e não a doença”.
Temos ainda que pensar que as injunções sociais
atuam no aparato complexo que é o sujeito. O estilo e o
ritmo de vida imposto pela cultura e a modalidade da organização
do trabalho, podem impedir o trabalhador de manter seu funcionamento
mental pleno. A vida, nas metrópoles, aponta na direção
de uma unidade “sócio-psicossomática”.
Será que no futuro estaremos concordando com Segre &
Ferraz, que sugerem que “saúde é um estado
de razoável harmonia entre o sujeito e a sua própria
realidade”? (2)
Na Ética das Virtudes buscava-se “O Caminho do Meio”.
Depois, com a Ética do Amor, aprendemos a “fazer
ao outro o que gostaríamos que o outro nos fizesse”.
Estamos diante de uma ética transdisciplinar, aquela que
não recusa o diálogo, a discussão, seja qual
for sua origem – de ordem ideológica, científica,
religiosa, econômica, política ou filosófica.
Existem inteligências diversas, as mais conhecidas são
a cognitiva e a emocional. No entanto, a espiritual é a
que parece representar o mais expressivo grau de inteligência.
Nesta, as ligações neuronais alcançariam
posições bastante complexas, com ativa participação
da base cerebral, zona do conhecido lobo límbico. Este
modelo participaria das criações psicológicas,
onde a intuição representaria a mola mestra do processo.
Inteligência emocional fala de emoções, a
espiritual fala da alma. A espiritual tem a ver com o que algo
significa para mim e não apenas como as coisas afetam minha
emoção e como reajo. Na fase evolutiva em que nos
encontramos a inteligência espiritual coletiva é
baixa na sociedade moderna. Vivemos numa cultura espiritualmente
estúpida.
Umas síntese arriscada, a cognição nos capacita
a achar caminhos e identificar as melhores rotas. A afetividade
nos ajuda a escolher a melhor. A inteligência espiritual
nos oferece a certeza na escolha.
Bill recostou-se na cadeira alta e contou.
“Nós moramos no bairro judeu,
em Varsóvia, começou ele, pausadamente.
Moramos lá, minha esposa, nossas duas filhas e nossos
três garotos. Quando os alemães chegaram á
nossa rua alinharam a todos contra o muro e abriram fogo com
as metralhadoras. Supliquei para morrer com a minha família,
mas, porque falava alemão, eles me botaram num grupo
de trabalho.
Fez uma pausa, talvez revendo esposa e cinco filhos.
Eu tinha de decidir no ato se passava a odiar os soldados que
tinham feito aquilo.
Era, realmente, uma decisão fácil.
Eu era advogado. Minha prática, com frequência,
me havia mostrado o que o ódio podia fazer às
pessoas, de corpo e mente. Aliás, fora o ódio
que acabara de matar as seis pessoas que me eram mais importantes
no mundo.
Decidi então que, fosse qual fosse o tempo que me sobrasse
de vida, iria empregá-lo no amor a todo o ser, com que
viesse a entrar em contato."
Leia mais
1. Oliveira, A.C.B & Miranda, L. 2015. Práticas clínicas
e o cuidado possível no CAPSi: perspectivas de uma equipe interdisciplinar.
Acesso em novembro de 2019. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-34822015000100011
2. Segre, M. & Ferraz, F.C. 1997. O conceito de saúde.
Ponto de Vista. Rev. Saúde Pública, 31 (5): 538-
542. São Paulo. SP. Acesso em novembro 2019.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89101997000600016&lng=en&nrm=iso
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Fonte:
artigo enviado pelo autor em 05/11/2019
LUIZ CARLOS D. FORMIGA é professor
universitário da UFRJ e UERJ, aposentado
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