Um estudante simpatizante da Doutrina
Espírita compareceu a uma de nossas reuniões, no
embrionário Núcleo Espírita Universitário
do Fundão, na UFRJ, e depois nos procurou no corredor para
confidenciar que não conseguia conciliar a justiça
e a bondade de Deus, com o nascimento de crianças com AIDS.
É desta forma que termina o capítulo “Aids
- Uma Reflexão Espírita da Justiça”,
do livro “Dores, Valores, Tabus e Preconceitos”. A
pergunta nos lembrou o capítulo III, do livro dos Médiuns
(2), primeira parte: “o melhor
método de ensino é o que fala à razão
antes que aos olhos”.
Ao redor do Núcleo Universitário
a população é heterogênea. Vamos encontrar
diversos comportamentos.
Materialistas e incrédulos
Para os materialistas por sistema
o homem é simples máquina. Felizmente, seu número
é restrito e não formam escola confessada; são
ricos de orgulho e persistem negando o fenômeno, não
obstante todas as provas em contrário. Encontramos uma
classe onde a incerteza lhes é um tormento. Há neles
uma vaga aspiração pelo futuro, mas esse futuro
lhes foi apresentado com cores tais, que sua razão se recusa
a aceitá-lo. São os náufragos a procura de
uma tábua de salvação; são apenas
indiferentes. Os incrédulos de má-vontade não
querem ver perturbada a inclinação que sentem para
os gozos materiais. Outros sabem muito bem o que devem pensar
do Espiritismo, mas o condenam por motivos de interesse pessoal;
são os incrédulos por má fé ou por
escrúpulos religiosos. Os incrédulos por decepções,
passaram de uma confiança exagerada à incredulidade,
porque sofreram desenganos. São o resultado do estudo incompleto
e da falta de experiência.
Espiritualistas e espíritas
Os espiritualistas por princípio
são os mais numerosos, possuem vaga intuição
das idéias espíritas. O Espiritismo lhes é
como que um traço de luz livrando-os das angústias
da incerteza. Encontramos ainda os que possuem o sentimento inato
dos grandes princípios decorrentes da Doutrina dos Espíritos.
Diante do inusitado fenômeno mediúnico muitos acabam
se rendendo e se tornam estudiosos. No entanto, mesmo aí
encontramos comportamentos diferentes. O Espiritismo é,
para alguns, apenas uma ciência de observação,
uma série de fatos mais ou menos curiosos e se tornam apenas
espíritas experimentadores. Outros vêem mais do que
fatos; compreendem-lhe a parte filosófica; admiram a moral
daí decorrente, mas não a praticam. Há os
que depositam confiança demasiado cega e freqüentemente
pueril, no tocante ao mundo invisível, e aceitam sem verificação
diversos absurdos; graças à sua boa-fé, são
iludidos por homens e por Espíritos mistificadores. Os
verdadeiros espíritas não se contentam com o “admirar
a ética espírita”, colocam-na em pratica e
lhe aceitam todas as conseqüências.
Esses comportamentos podem ser encontrados entre os contemporâneos
de Jesus. No livro onde Allan Kardec discute os milagres e as
predições segundo o Espiritismo (3),
encontramos o caso do cego de nascença, no capítulo
XV - Os milagres do Evangelho. Após a cura, e oferecendo
o seu testemunho, aquele homem simples não se intimidou
diante das pressões sofridas. Na linguagem deste cego vamos
encontrar o pensamento desses homens, nos quais o bom-senso supre
a falta de saber. Isto não os impede de retrucar com bonomia
aos argumentos de seus adversários, expendendo razões
a que não faltam justeza, nem oportunidade. No entanto,
o tom dos fariseus é o dos orgulhosos que nada admitem
acima de suas inteligências e que se enchem de indignação
só à idéia de que um homem do povo lhes possa
fazer observações. Guardadas as devidas proporções,
dir-se-ia ser do nosso tempo o fato. Vamos recordar.
“Ao passar, viu Jesus
um homem que era cego desde que nascera; — e seus discípulos
lhe fizeram esta pergunta: Mestre, foi pecado desse homem, ou
dos que o puseram no mundo, que deu causa a que ele nascesse
cego? — Jesus lhes respondeu: Não é por
pecado dele, nem dos que o puseram no mundo; mas, para que nele
se patenteiem as obras do poder de Deus. Tendo dito isso, cuspiu
no chão e, havendo feito lama com a sua saliva, ungiu
com essa lama os olhos do cego — e lhe disse: Vai lavar-te
na piscina de Siloé. Ele foi, lavou-se e voltou vendo
claro. Seus vizinhos e os que o viam antes a pedir esmolas diziam:
Não é este o que estava assentado e pedia esmola?
Uns respondiam: É ele; outros diziam: Não, é
um que se parece com ele. O homem, porém, lhes dizia:
Sou eu mesmo. — Perguntaram-lhe então: Como se
te abriram os olhos? — Ele respondeu: Aquele homem que
se chama Jesus fez um pouco de lama e passou nos meus olhos,
dizendo: Vai à piscina de Siloé e lava-te. Fui,
lavei-me e vejo. — Disseram-lhe: Onde está ele?
Respondeu o homem: Não sei.
Levaram então aos fariseus o homem que
estivera cego. — Ora, fora num dia de sábado que
Jesus fizera aquela lama e lhe abrira os olhos. Também
os fariseus o interrogaram para saber como recobrara a vista.
Ele lhes disse: Ele me pôs lama nos olhos, eu me lavei
e vejo. — Ao que alguns fariseus retrucaram: Esse homem
não é enviado de Deus, pois que não guarda
o sábado. Outros, porém, diziam: Como poderia
um homem mau fazer prodígios tais? Havia, a propósito,
dissensão entre eles. Disseram de novo ao que fora cego:
E tu, que dizes desse homem que te abriu os olhos? Ele respondeu:
Digo que é um profeta.
— Mas, os judeus não acreditaram
que aquele homem houvesse estado cego e que houvesse recobrado
a vista, enquanto não fizeram vir o pai e a mãe
dele — e os interrogaram assim: É este o vosso
filho, que dizeis ter nascido cego? Como é que ele agora
vê? — O pai e a mãe responderam: Sabemos
que esse é nosso filho e que nasceu cego; — não
sabemos, porém, como agora vê e tampouco sabemos
quem lhe abriu os olhos. Interrogai-o; ele já tem idade,
que responda por si mesmo.
Seu pai e sua mãe falavam desse modo,
porque temiam os judeus, visto que estes já haviam resolvido
em comum que quem quer que reconhecesse a Jesus como sendo o
Cristo seria expulso da sinagoga. — Foi o que obrigou
o pai e a mãe do rapaz a responderem: Ele já tem
idade; interrogai-o.
Chamaram segunda vez o homem que estivera cego
e lhe disseram: Glorifica a Deus; sabemos que esse homem é
um pecador. Ele lhes respondeu: Se é um pecador, não
sei, tudo o que sei é que estava cego e agora vejo. —
Tornaram a perguntar-lhe: Que te fez ele e como te abriu os
olhos? — Respondeu o homem: Já vo-lo disse e bem
o ouvistes; por que quereis ouvi-lo segunda vez? Será
que queirais tornar-vos seus discípulos? — Ao que
eles o carregaram de injúrias e lhe disseram: Sê
tu seu discípulo; quanto a nós, somos discípulos
de Moisés. — Sabemos que Deus falou a Moisés,
ao passo que este não sabemos donde saiu.
O homem lhes respondeu: É de espantar
que não saibais donde ele é e que ele me tenha
aberto os olhos. — Ora, sabemos que Deus não exalça
os pecadores; mas, àquele que o honre e faça a
sua vontade, a esse Deus exalça. — Desde que o
mundo existe, jamais se ouviu dizer que alguém tenha
aberto os olhos a um cego de nascença. — Se esse
homem não fosse um enviado de Deus, nada poderia fazer
de tudo o que tem feito.
Disseram-lhe os fariseus: Tu és todo
pecado, desde o ventre de tua mãe, e queres ensinar-nos
a nós? E o expulsaram.
João, cap. IX, vv. 1 a 34
Ser expulso da sinagoga equivalia a ser posto
fora da Igreja. Era uma espécie de excomunhão. Os
espíritas, cuja doutrina é a do Cristo de acordo
com o progresso das luzes atuais, já foram tratados como
os judeus que reconheciam em Jesus o Messias. Ontem fomos excomungandos
como fizeram os escribas e os fariseus com os seguidores do Cristo.
Aquele homem foi expulso apenas porque não pode admitir
seja um possesso do demônio aquele que o curara e porque
rendia graças a Deus pela sua cura. Não é
o que, ainda, fazem com os espíritas? Anteriormente já
pregaram que os necessitados não deveriam aceitar o pão
que os espíritas distribuíam, por ser do diabo esse
pão.(3)
Fiquemos por aqui indicando a leitura dos pertinentes
comentários de Kardec com relação à
resposta oferecida, pelo Mestre, aos seus discípulos:
“Não é por pecado dele,
nem dos que o puseram no mundo; mas, para que nele se patenteiem
as obras do poder de Deus"!.
Há expiações dolorosas, mas
também há provas escolhidas!
Ver Agostinho. Evangelho Segundo o Espiritismo,
cap. V, ítem 19. O mal e o remédio(4).
Acreditamos que o estudante saiu satisfeito e
eu nem lhe falei sobre a explicação dada por Kardec
da utilização daquela espécie de recurso
empregado como meio para a cura do cego. Resultados de experiências
científicas atuais apontam na mesma direção.
Um outro aluno, extremamente crítico,
noutra oportunidade questionou a apresentação que
fora feita de determinado orador espírita dizendo: “Informar
que o palestrante é professor e doutor não é
ferir sua humildade e tentar passar verniz no seu ego?"
Respondi que não poderia falar por ele, mas acreditava
que era uma boa oportunidade de, confirmando a veracidade das
informações, passar por esta prova e oportunidade
de, com seu testemunho, demonstrar que não há incompatibilidade
entre a atividade científica e o sentimento de religiosidade
(Ciência + Consciência). Neste momento, não
pude deixar de lembrar o Doutor Crookes (1),
que estudou os fenômenos espíritas, durante os anos
de 1870-73 e publicou seus resultados pela primeira vez no Quartely
Journal of Science, de janeiro de 1874.
A um dos representantes da Academia
que duvidara da sua condição de Membro da Sociedade
Real de Londres e dos resultados das suas pesquisas científicas
sobre materialização de espíritos, William
Crookes respondeu:
“Não digo que isso
seja possível; afirmo que isso é uma verdade”.
Foi por isso que Victor Hugo afirmou
que “evitar o fenômeno espírita, deixar
de prestar-lhe a atenção a que ele tem direito,
é faltar com o que se deve à verdade.”
Acredito que o jovem aluno tenha
percebido que o verdadeiro espírita não se envaidece
da sua riqueza, nem de suas vantagens pessoais. Usa, mas não
abusa de seus títulos acadêmicos ou “dos
bens que lhe são concedidos, porque sabe que é um
depósito de que terá de prestar contas e que o mais
prejudicial emprego que lhe pode dar é o de aplicá-lo
à satisfação de suas paixões”(4).