O prefácio de um livro
permite preparar o espírito do leitor. Não é
tarefa das mais fáceis. Mas não chega a ser como
um pedido de perdão a Deus para torturadores.
O primeiro prefácio do livro que estou lendo (1),
foi elaborado por um médico e nele encontramos a afirmação
de que "o sofrimento é o megafone de Deus”,
evidentemente para acordar um mundo adormecido.
"Qual seria o tipo de médico que gostaríamos
que cuidasse de nós na hora do adoecer?” O autor
do livro “Sofrimento Como Síntese”, passou
pela experiência da doença grave e traz à
tona o tema do sofrimento, campo que revela a fragilidade do paciente,
o insucesso do médico, e as frustrações profissionais
e psicológicas. Ele sabe que na busca das causas biológicas
da febre não encontraremos como abordar crises existenciais.
O prefácio pede para nos inspirarmos no capítulo
seis – “Quando o médico adoece”. O segundo
prefácio informa que num número cada vez maior de
países, incluindo o Brasil, existe uma preocupação
crescente em voltar a enfatizar a importância de uma formação
do médico que resulte em um profissional com sólida
formação técnica e científica, mas
também ética, humanística, e com responsabilidade
social. Explica que um dos aspectos fundamentais da Medicina Humanística
é a ênfase na escuta, na conversa, no papel terapêutico
do médico, no aconselhamento, e essa prática deve
ser, sempre, individualizada. As angústias, preocupações,
sofrimentos de cada paciente são diferentes dos outros,
são únicos.
O livro fala sobre fé, espiritualidade, sofrimento, aconselhamento,
papel terapêutico do médico e também sobre
o quando o médico adoece. Na página 70 diz que a
ignorância do leigo é uma benção, pois
as etapas da doença podem se desenvolver sem que medos
precoces atrapalhem ou até levem a um desespero inconsequente.
Há casos de suicídios de médicos após
um diagnóstico de doenças graves, como câncer
e AIDS.
O autor passou por um câncer. Mas, tendo formação
religiosa dirigiu-se aos Salmos de David. “Ainda que eu
ande pelo vale da sombra da morte nada temerei, pois Você
está comigo” Repetia inúmeras vezes essa frase,que
se converteu em um verdadeiro mantra.
Seu médico o visitava, ou, pelo menos, telefonava, diariamente.
“Eu era uma pessoa, alguém de quem ele gostava, eu
não era, apenas, uma próstata removida.” Alguns
anos depois recebeu um diagnóstico de câncer de tiroide.
O capítulo é inspirador.
A morte é uma programação. O problema é
que alguns já morreram e não sabem. Allan Kardec
explica isso. Veja com ele porque religiosos temem o inferno e
os espíritas o umbral.
No artigo "Defunto Fresco" há um depoimento que
impactou a plateia, em profundo silêncio, seguido de um
burburinho.
Na Universidade Federal do Rio de Janeiro, o sociólogo
Herbert de Souza conta como se tornou portador do vírus
da AIDS. Hemofílico, contaminado pelo sangue, antes de
começar o relato, nos diz: Vocês estão
me olhando pensando: -“ esse cara vai morrer”. Eu
tenho uma péssima notícia. Vocês também
vão morrer!. (2)
Há despreparo para a morte. Com medo e angustia procuramos
nem pensar nela, pois é considerada uma punição,
desastre ou desgraça. Na realidade, o grande problema é
como nos deparamos com ela, surgindo o temor da maturidade e o
horror à velhice.
No mundo da imaturidade emocional e falsa autopercepção,
a morte não possui o menor prestígio. O valor surge
quando pode aliviar o peso da desgraça.
A partir do século XX a morte deixa de ser doméstica,
familiar, e se transforma em tabu. Na sociedade atual a existência
individual está diluída e o homem na massa passa
a medir sua existência por parâmetros quantitativos.
Diminui-lhe o gosto cultural e ele passa a ter uma vida sem ideais.
No entanto, é diante da morte que se defrontará
com seu mundo interior, sua realidade mais profunda.
A experiência da morte pode conduzir a pessoa a se perceber
único, impulsionando a própria transformação.
Aconteceu com os apóstolos, angustiados na crucificação.
A pessoa enquanto se angustia, se singulariza, uma vez que, diante
da morte, só ela pode ser o que ela é.
Nas aulas de medicina legal me perguntei como essa disciplina
descreveria o assassinato de Jesus.
Não podemos fugir, mas podemos estabelecer com a morte
uma coexistência pacífica. Ela não nos perseguirá
nem nós fugiremos dela, tentando nos camuflar na massa.
Quando percebemos que vamos morrer nós nos tornamos mais
humanos. A consciência de que somos mortais repercute na
vida do espírito eterno, ainda no corpo. Sabemos que ela
virá ao nosso encontro, nos estreitos corredores da vida
na carne, com seu GPS perfeito.
Jesus ministrou aula prática sobre isso. Parece que Tomé
foi o escolhido. Lamentamos ainda não sermos como Tomé.
Por outro lado, como já fazemos reflexões com a
“Boa Nova”, acreditamos que podemos nos sair bem na
“prova final”. O passo inicial é não
temer a morte e nunca pensar em suicídio. Nós ainda
não temos condição de sermos perseguidos,
martirizados e morrermos pelo Mestre, mas já podemos viver,
demonstrando que Ele é nosso modelo e guia.
“Ninguém acende a candeia e a coloca debaixo
do módio, mas no velador, e assim alumia a todos os que
estão na casa”, disse Jesus (Mateus,
5: 15). Emmanuel, no livro Fonte Viva, lição
81, comenta que “Ninguém deve amealhar as vantagens
da experiência terrestre somente para si. Nossa existência
é a candeia nova.”
Caso pudesse fazer opção que tipo morte escolheria?
Um médico inglês (3)
causou comoção geral, quando tipos de morte foram
numerados e ele escolheu o câncer.
No “II Seminário Lítero-Musical”, realizado
no C. E. Discípulos de Jesus, Rua Amaral Costa, 52, Campo
Grande, RJ. Outubro de 2013, foi que Sonia B. Formiga desenvolveu
o tema “A Pedagogia de Jesus Aplicada a Tomé.”
(4, 5, 6, 7). Através dos seus slides reproduzimos a seguinte
síntese.
Encontramos em Marcos 2:13, o processo de escolha. “Jesus
foi à montanha para orar e passou a noite inteira em oração
a Deus. Depois, ao amanhecer, chamou os discípulos e dentre
eles escolheu doze, aos quais deu o nome de apóstolos.”(Lc.
6:12-13) E entre eles estava Tomé.
Por que Jesus o escolheu? Qual teria sido o critério adotado
pelo Senhor?
“Não fostes vós que me escolheste, mas fui
Eu que vos escolhi e vos constituí para irdes e produzirdes
muito fruto e para que o vosso fruto permaneça, a fim de
que tudo que pedirdes ao Pai em meu nome Ele vos conceda. Uma
coisa vos ordeno: - Amai-vos uns aos outros.”(Jo.
15:16,17)
É possível compreender que Jesus tinha um conhecimento
profundo do potencial de cada um dos seus apóstolos, além
de uma visão alentadora do futuro e estava movido por infinito
amor e paciência.
Ele respeitava o ser integral, no seu contexto bio-psico-sócio-espiritual,
e, portanto, operava particularmente em cada um. Percebia em Tomé,
além da racionalidade, um senso crítico importante
no exercício da semeadura. Seu amor por Ele, sua generosidade
com os companheiros eram créditos que Jesus contabilizava.
Assim como o escultor enxerga na pedra bruta a futura obra prima,
Jesus enxergava em Tomé o trabalhador dedicado e sincero
do porvir.
Jesus jamais perdeu a esperança ao lidar com os homens.
Como Mestre, Ele sabia que o melhor método para aumentar
a fé e a confiança de alguém é acreditar
nesse alguém. Por isso, fazia-se acompanhar pelos discípulos
e não perdia uma única chance de ensinar. Ele considerava
a pessoa humana como o mais elevado de todos os investimentos.
Jesus convivia, permutava, participava do cotidiano de cada um
nas ruas, nas casas, no templo, no trabalho, na alegria e na dor.
Em todas essas ocasiões encontrava situações
a serem observadas e discutidas e Tomé crescia a cada dia,
espiritualmente.
Por várias vezes Tomé estivera com o Senhor em casa
de Lázaro e, quando a notícia de sua doença
e morte chegou, certamente seu coração confrangeu-se.
Muitos foram os argumentos para que Jesus não voltasse
a Jerusalém, onde queriam matá-lo. Mas, o Senhor
estava irredutível.
A objetividade de Tomé, aliada à fé, permite
que ele faça uma análise profunda da situação.
Entendendo que Jesus iria, de qualquer jeito, ele interrompe o
tumulto e diz: “Vamos todos com Ele para morrermos também.”
(Jo.11:16)
Nesse momento, Jesus constata sua liderança, porque todos
se calam e resolvem seguir o Mestre. Além disso, Jesus
emociona-se, ao constatar que, em seu coração, Tomé
estava disposto a entregar a vida, por fidelidade e amor a Ele.
Logo a hora do Senhor se aproxima e Ele reúne os doze,
se despede , consola e instrui: “Não se turbe
o vosso coração. Credes em Deus, crede também
em mim. Na casa do meu Pai há muitas moradas. Vou preparar-vos
o lugar. E quando eu me for, e vos tiver preparado o lugar, voltarei
a vós e vos levarei comigo para que onde eu estiver, vós
também estejais. E para onde vou, sabeis o caminho.”
Todos silenciaram. Apenas Tomé, aflito, na sua sinceridade,
disse em nome de todos: “Senhor, não sabemos
para onde vais, como podemos conhecer o caminho?” Jesus
oferece a Tomé o ensinamento básico, contido na
Q. 625 de O Livro dos Espíritos: “Eu sou o caminho
da Verdade e da Vida e ninguém vem ao Pai, senão
por Mim.” (Jo. 14:1-6)
Jesus, modelo e guia.
Os apóstolos tiveram apenas um dia para metabolizar essas
palavras, porque então tudo aconteceu: Jesus foi preso,
açoitado, julgado, coroado de espinhos e, finalmente, crucificado.
Como resistir a isso? Como suportar tamanha dor? O desespero tomou
conta de todos. Esconderam-se e, juntos, choravam. Mas, Jesus
cumpriu a sua promessa e ressurgiu, aparecendo à Madalena.
Interessante é que todos foram incrédulos, pois
ninguém acreditou quando ela , correndo, foi contar que
vira o Senhor. No entanto, só Tomé ficou com a fama.
Provando o que dissera, Jesus surgiu no recinto fechado e sua
voz ecoou: “A paz seja convosco!” Mostrou
as chagas e os discípulos encheram-se de alegria e esperança.
MasTomé não estava com eles! Pobre Tomé!
No dia seguinte quando chega, é recebido com gritos de
alegria: Tomé, Tomé, Jesus voltou! Atordoado,
recebe mais uma punhalada no coração: Perdera a
oportunidade de ver Jesus de novo.
A reação foi imediata: Vocês estão
loucos. Fechou-se em si mesmo. Seu senso de realismo cristalizou-se
e ele, então, explode: “Se eu não vir
em suas mãos o lugar dos cravos e se não puser meu
dedo no lugar dos cravos e minha mão do seu lado, não
crerei.”
Permitam-me uma divagação. “Somente conhece
os caminhos retos aquele que alguma vez se enganou e transitou
pelos equivocados. A melhor intenção não
é a do homem impecável, mas a do que tem na sua
alma as cicatrizes de muitas retificações”.
(1)
Jesus esperou vários dias, para que Tomé tivesse
oportunidade de rememorar os três anos de ensinamentos.
Sabia que ele precisava de um tempo, porque o seu problema era
exatamente a pedra angular: a realidade espiritual.
Imaginemos o pobre Tomé a ouvir Jesus, na acústica
da alma, dia e noite, por sete dias: “Vou, mas voltarei,
nunca vos deixarei a sós!” E ele não
acreditara...
Então, no oitavo dia, portas e janelas fechadas, Jesus
novamente apareceu no meio deles e sua voz ecoou: “A
paz seja convosco!”
Tomé, coração acelerado, embargado de pranto,
vê Jesus se aproximar e dizer: “Vem, Tomé,
introduz aqui o teu dedo e vê as minhas mãos. Põe
a mão do meu lado e não sejas incrédulo,
mas crê”.
Completamente vencido pelo amor do Cristo, Tomé cai de
joelhos e clama com todas as suas forças: “Meu
Senhor!”
Jesus o sustenta e, para finalizar o ensinamento, lhe diz:
“Porque me viste, creste. Felizes os que não
viram e creram.”
Somos todos Tomé, lutando com as nossas fraquezas, exigindo
aulas extras que possam satisfazer os nossos desejos.
Mas o Mestre Incomparável, com sua paciência sem
limites nos aguarda confiante.
Jesus teve razão em acreditar em Tomé, pois ele
correspondeu plenamente à confiança do Senhor.
Evangelizou a Pérsia e a Índia, onde é reconhecido
como santo, tendo um monte e uma catedral com seu nome.
Está colocado na nona bem aventurança, pois foi
perseguido e martirizado, morto a flechadas por amor a Jesus.
E, quanto a nós, passaremos na prova final?
Quase sempre nos lembramos do fiel discípulo através
do seu momento de incredulidade, no entanto Tomé nos deixou
inúmeros ensinamentos. Que ele possa nos presentear nas
futuras páscoas com bombons recheados da certeza da imortalidade.
O Mestre ministrou aulas teóricas e práticas. Acredito
que a mais difícil para a compreensão, análise
e síntese de Tomé foi o Seu "retorno à
vida". depois da tortura e morte.
Parece-nos não haver dúvidas de que Jesus sofreu
uma brutal morte, por tortura e crucificação. O
mecanismo específico da morte de Jesus é ainda motivo
de controvérsias médicas.
Em 2012, um periódico técnico de Medicina Legal
discutiu o assunto.
As hipóteses descritas por Bergeson foram: embolia pulmonar;
ruptura cardíaca; trauma suspensão; asfixia; ferida
da facada fatal e choque.
Quanto sofrimento!
Após revisar as hipóteses, o médico conclui
que todos os acontecimentos da execução concorreram
para o desenvolvimento do choque. Assim, o choque traumático,
com coagulopatia, deve ser o principal mecanismo, da morte de
Jesus. (8)
A tortura é sempre cruel, qualquer que seja a sua modalidade.
Lembramos a aula teórica e prática do bom ladrão,
“que se deu bem.”
Com o olhar meigo e penetrante de Jesus, pode morrer e desencarnar
sem estocar reservas emocionais negativas, apesar da tortura.
Outra tortura também nos emociona. Li sobre o apedrejamento
de Estevão numa obra editada pela Federação
Espírita Brasileira. O livro Paulo e Estevão, psicografado
por Francisco Cândido Xavier, (7)
também traz uma prece, proferida naquela hora, por
sua irmã.
Abgail amava Jesus, como Tomé, e também aportou
na certeza da imortalidade da alma. É a prece dos aflitos
e agonizantes. (9, 10)
“Senhor Deus, pai dos
que choram, dos tristes, dos oprimidos, fortaleza dos vencidos,
consolo de toda a dor, embora a miséria amarga, dos prantos
de nosso erro, deste mundo de desterro, clamamos por vosso amor!
Nas aflições
do caminho, na noite mais tormentosa, vossa fonte generosa é
o bem que não secará... Sois, em tudo, a luz eterna
da alegria e da bonança nossa porta de esperança
que nunca se fechará.
Quando tudo nos despreza no mundo da iniquidade, quando vem
a tempestade sobre as flores da ilusão! O! Pai, sois
a luz divina, o cântico da certeza, vencendo toda aspereza,
vencendo toda aflição.
No dia de nossa morte, no abandono ou no tormento, trazei-nos
o esquecimento da sombra, da dor, do mal!... Que nos últimos
instantes, sintamos a luz da vida renovada e redimida na paz
ditosa e imortal.”