Aula 11 :
Comprovação científica versus característica
científica
1. Comprovação científica versus característica
científica
Quando a questão é avaliar o valor científico
de um determinado assunto, muitas pessoas imaginam que é
suficiente que ele envolva conceitos ou expressões de algumas
ciências para que seu valor seja científico. Isso,
porém, reflete o desconhecimento sobre como a Ciência
se desenvolve e sobre como os cientistas trabalham.
Existem duas questões parecidas,
mas de consequências diferentes, que precisam ser esclarecidas
no momento atual em que o Movimento Espírita está
super-valorizando os estudos de caráter científico.
Uma delas é a seguinte: por quê o Espiritismo
pode ser considerado uma disciplina científica? A
outra é: o que torna uma pesquisa qualquer válida
cientificamente perante a sociedade, nos dias de hoje? Pode
parecer que ambas as questões estão intimamente ligadas
mas, conforme veremos adiante, uma coisa, não necessariamente,
leva à outra, isto é, não é o fato de
reconhecermos o Espiritismo como possuindo características
científicas que o torna aceito como tal pela sociedade.
Nas aulas 1 e 2 (Boletins 483 e
484), discutimos as características gerais de uma disciplina
científica, de acordo com a Filosofia da Ciência.
O Prof. Chibeni [1,2]
demonstrou que o Espiritismo possui todos requisitos necessários
para ser considerado uma disciplina científica.
Em resumo, isso significa que ela possui um núcleo central,
um cinturão de tópicos de estudo que faz a conexão
entre o núcleo e a realidade, e regras de desenvolvimento
da disciplina científica.¹ Além
disso, o Movimento Espírita conta com uma “comunidade”
de estudiosos e pesquisadores que trabalham no desenvolvimento e
esclarecimento da Doutrina Espírita.
Portanto, o reconhecimento, hoje,
de que a Doutrina Espírita possui um aspecto científico
não decorre somente do fato de Kardec ter afirmado isso,
mas porque ela satisfaz todas as exigências de uma disciplina
científica, de acordo com os conceitos mais amplos em Filosofia
da Ciência.
Vamos agora analisar a outra questão.
O que confere valor científico a um determinado trabalho
de pesquisa, perante a sociedade?
O paradigma de cada disciplina
científica, representado por seu núcleo central,
define os padrões de rigor e as metodologias que devem ser
seguidas para validar ou confirmar um trabalho de pesquisa. Isso
é estudado e aprendido no processo de formação
do cientista que, nos dias de hoje, ocorre em sua grande maioria
nos chamados cursos de mestrado e doutorado, sendo este último
de maior valor.² Após a conclusão
do trabalho de pesquisa é preciso divulgá-lo para
a comunidade científica ou de pesquisadores da área
em questão. A forma mais comum de divulgar o resultado ou
produto final de um trabalho de pesquisa é a publicação
de um ou mais artigos científicos em revistas científicas
de circulação nacional ou internacional (nas aulas
3 e 4, Boletins 485 e 486, respectivamente, falamos sobre a divulgação
das pesquisas científicas e sobre o método de análise
por pares). Outras formas de avaliação e divulgação
do produto final de uma pesquisa são a criação
de novas tecnologias e patentes.
Uma característica
das publicações científicas que algumas
pessoas consideram uma desvantagem, é o caráter elitista
das mesmas. Somente os cientistas de cada área tem capacidade
de ler e entender um artigo científico escrito em linguagem
bastante técnica ou matemática. Devido a essa dificuldade,
existem os periódicos e livros de divulgação
científica que, como dito na aula 6 (Boletim 488), de um
lado apresentam os resultados das pesquisas científicas em
linguagem mais acessível ao público leigo, mas por
outro, perde em precisão nos conceitos divulgados.
Porém, as vantagens deste
tipo de publicação são muitas. Uma delas é
a seguinte. Imagine que algum cientista, por intuição
ou genialidade própria, visualize um novo tipo de remédio
para uma determinada doença. Por mais que ele realize todos
os testes e experimentos exigidos pela área médica,
jamais esse novo remédio receberá da comunidade científica
o apoio para ser utilizado no tratamento da doença, se ela
não tomar conhecimento deste trabalho de pesquisa. Somente
um grupo de médicos especialistas no assunto da pesquisa
podem avaliar se a pesquisa foi feita de modo correto e completo.
Para isso, eles precisam conhecer os detalhes técnicos do
trabalho e somente a revista científica fornece esse espaço
para esse tipo de divulgação de teor técnico.
Assim, os trabalhos de pesquisa devem ser publicados em
revistas internacionais de cada área para que possam ser
analisados, avaliados e reproduzidos.
Isso não se trata de capricho
individual. Essa é a forma pela qual a comunidade
científica desenvolveu o processo de divulgação
dos trabalhos científicos.
Podemos, agora, analisar o seguinte
questionamento que consideramos muito justo: será
que o valor científico de um determinado assunto só
existirá se o mesmo for publicado em uma revista científica?
Isso não seria elitismo ou preconceito; ou ainda, não
seria isso uma forma de limitar os tópicos de pesquisa considerados
como válidos pela sociedade?
A resposta que, particularmente,
considero mais justa é primeiro considerar que no ponto de
vista filosófico mais amplo, muitas coisas podem ser consideradas
como “científicas” ou possuindo um valor científico.
Por exemplo, o filósofo norte americano Ken Wilber,
em seu livro entitulado Quantum Questions [4]
analisa, sob um certo ponto de vista menos rigoroso filosoficamente,
o problema sobre a validade científica de uma área
do conhecimento diferente como a religião. Ele propõe
que o problema se situa na distinção entre “ser
dogmático” ou não “ser dogmático”,
isto é, se o conhecimento é acessível a terceiros
através de um “treinamento” e “estudo”,
ou se ele é imposto como válido. Nesse aspecto, Wilber
defende que temas religiosos como o Budismo possuem valor científico.
O Espiritismo possui essa característica de não
impor os seus conceitos a ninguém e suas práticas
são acessíveis a todos que desejam estudá-lo.
Porém, não podemos
simplesmente condenar a sociedade ou a comunidade científica
por adotar um critério de valores científicos para
a forma de divulgação das pesquisas científicas.
Mesmo sabendo que existe ainda muito preconceito, precisamos lembrar
das seguintes palavras de Jesus (Cap. XXII do evangelho de São
Mateus, dentre os versículos 15 e 22): “Dai, pois,
a César o que é de César e a Deus o que é
de Deus.”; e dos seguintes comentários de Kardec,
presentes no ítem 7 do Cap. XI de O Evangelho Segundo o Espiritismo
[3], sobre a expressão “Dai
a César o que é de César”, que, entre
outras coisas, “Prescreve o respeito aos direitos de cada
um, como cada um deseja que se respeitem os seus. Estende-se mesmo
aos deveres contraídos para com a família, a sociedade,
a autoridade, tanto quanto para com os indivíduos em geral”.
Assim, se por um lado
não temos dúvida de que o Espiritismo possui valor
científico, de outro não podemos
exigir que a sociedade reconheça e aceite da mesma forma.
Além disso, quando Kardec afirmou, no ítem 55 do capítulo
1 de A Gênese [5] que: “Caminhando
de par com o progresso, o Espiritismo jamais será ultrapassado,
porque, se novas descobertas lhe demonstrassem estar em erro acerca
de um ponto qualquer, ele se modificaria nesse ponto. Se uma verdade
nova se revelar, ele a aceitará”, Kardec deixou
claro o respeito que tinha pela Ciência e pelo trabalho intelectual
da Humanidade e, por isso, não podemos cair no extremo de
desdenhar os métodos que a Ciência desenvolveu para
validar seus trabalhos.
Cabe aqui, também, um outro
comentário muito importante sobre valores científicos.
Quando um cientista prestigiado pela sociedade por inúmeras
contribuições ao progresso do conhecimento, expõe
uma opinião contrária aos ensinamentos espíritas,
vê-se rapidamente a manifestação dos companheiros
espíritas em esclarecer o Movimento Espírita sobre
o caráter pessoal e preconceituoso de tal opinião.
Isso é muito válido pois ajuda a esclarecer as pessoas
menos avisadas e pode até evitar males maiores decorrentes
de idéias materialistas. No entanto, quando um cientista
qualquer vem a público comentar suas crenças e idéias
sobre assuntos espiritualistas, surge um entusiasmo significativo
no meio espírita chegando ao ponto de se dizer que o Espiritismo
está sendo confirmado ou provado por importantes cientístas.
Infelizmente, a opinião a favor de qualquer conceito espírita
tem o mesmo valor científico que as opiniões contrárias.
Os críticos podem, da mesma forma, alegar que essa opinião
tem caráter pessoal onde predominam as crenças de
quem a emitiu. Portanto, uma opinião, por mais interessante
e sugestiva que seja, não tem valor científico. Pode
servir de inspiração, de intuição, de
idéia, de motivação, etc., mas não
tem valor de comprovação científica.
Nesse aspecto, particularmente, o que consideramos uma das mais
valiosas regras espíritas, é a recomendação
de Kardec e dos espíritos superiores para que não
acreditemos na opinião individual dos espíritos, mas
que analisássemos tudo o que provém do mundo espiritual.
Acrescentamos que essa regra de ouro deveria também ter valor
para com as opiniões individuais dos encarnados, já
que cada um de nós é um espírito em evolução
e nossas opiniões precisam ser analisadas.
Toda essa discussão serve,
agora, para justificar porque não consideramos, ainda,
as pesquisas do Dr. Masaru Emoto como científicas
(ver aula 9, Boletim 491). Somente os espiritualistas conhecem suas
pesquisas. Dr. Emoto ainda não publicou nenhum artigo científico,
sequer sobre os métodos que utiliza para obter os cristais
da água. No entanto, existem diversas referências ao
seu trabalho como representando a comprovação científica
do fenômeno de absorção de fluidos espirituais
pela água. Como dissemos em outra ocasião, respeitamos
as nobres intenções do Dr. Emoto, mas não é
prudente construir nada sobre um terreno que ainda é desconhecido.
Ninguém constrói uma casa sobre a areia. O Movimento
Espírita, em minha opinião, deve aguardar que as pesquisas
do Dr. Emoto sejam reproduzidas e confirmadas por outros grupos
de pesquisa, e publicadas nos devidos periódicos científicos
especializados para que os próprios cientistas possam dar
o crédito final.
De modo a percebermos que existem
pessoas com experiência científica profissional e que,
ao mesmo tempo, pretendem trabalhar na pesquisa em tópicos
espiritualistas, citamos o Prof. Konstantin Korotkov,
da Universidade Técnica de Tecnologias Informacionais, Mecânica
e Óptica de Saint Petersburg, Rússia. O Prof. Korotkov
tem trabalhado com um método de análise de descargas
elétricas [6,7] sobre pequenas
gotas de diversos materiais líquidos. Korotkov foi palestrante
convidado na 1st. Istanbul Parapsychology Conference [8],
ocorrida entre os dias 14 e 15 de maio deste ano, onde ele iria
discutir novas formas de pesquisa na área de Bioeletrografia
(denominação recentemente adotada para a fotografia
Kirlian). O fato do Prof. Korotkov trabalhar cientificamente com
o método de descargas elétricas em líquidos,
nos sugere que ele possui muito mais respaldo científico
em suas propostas espiritualistas do que o trabalho do Dr. Emoto.
Esperamos que o Prof. Korotkov consiga realizar muitos progressos
nessa área seja para aprimorar aplicações na
área médica, seja para introduzir a comunidade científica
em conceitos de valor espiritualista.