Física Quântica e Espiritismo 1
Apesar dos fenômenos ao nível quântico
revelarem uma realidade muito diferente da que estamos habituados,
carecemos ainda de maiores pesquisas antes de afirmar que a Física
Quântica está confirmando os princípios espiritualistas.
A Física Quântica tem sido considerada,
no meio espírita, como em alguns grupos religiosos, como
sendo aquela que vai confirmar a existência de Deus e do espírito.
Nesta matéria, temos um ponto de vista mais
cuidadoso do que é normalmente
apresentado. De fato, os fenômenos ao nível quântico
têm feito os cientistas se sentirem incomodados e perplexos
já que eles mostram que na realidade os nossos cinco sentidos
nos fazem crer numa verdade ilusória. Porém, isso
não significa que a Física Quântica esteja admitindo
a existência de “algo exterior” ou “além
da matéria”, conforme proposto pelas doutrinas espiritualistas.
O movimento espírita deve, portanto, ser cuidadoso ao divulgar
idéias ligadas aos fenômenos espíritas e àquelas
propostas pela Física.
Nesta matéria um importate alerta é feito: afirmativas
como “o perispírito causa a flutuação
do vácuo quântico”, “a Física Quântica
prova a existência de Deus” e “o espaço-tempo
negativo representa o mundo espiritual”. Estas afirmativas
carecem de credibilidade tanto científica como espírita,
porque não foram obtidas conforme critérios científicos
e da Doutrina Espírita. Não se sabe como essas conclusões
foram obtidas e que passos teóricos e experimentais foram
seguidos para obtenção do resultado final. Para que
uma afirmativa seja considerada científica, não basta
que ela envolva um assunto científico e nem que o autor dessa
afirmativa seja cientista. É preciso que seja apresentada
uma explicação mais detalhada e doutrinariamente embasada.
Apesar das nobres intenções de nossos irmãos
que divulgam essas idéias, elas podem trazer consequências
negativas para o movimento espírita. Para entendermos melhor
o enfoque do problema, citamos Kardec (ítem VII da Introdução
de O Livro dos Espíritos [1]):
“Na ausência de fatos, a dúvida
é a opinião do homem prudente”.
Esta é a principal razão pela qual se deve tomar cuidado
na divulgação de idéias e teorias espíritas
que utilizem conceitos das outras ciências. Como os paradoxos
da Física Quântica ainda não foram resolvidos
pelos cientistas, é prudente esperarmos pelo desenvolvimento
das pesquisas nesta área, de modo que possamos, como espíritas,
nos posicionarmos melhor perante elas. Pelo simples fato de que
nem todos os resultados experimentais da teoria quântica foram
totalmente explicados, não autoriza ninguém a afirmar,
por exemplo, que Deus ou o espírito é que estão
por trás desses fenômenos. Esta atitude é equivocada,
não-científica e, o que é pior, expõe
o Espiritismo a críticas desnecessárias, afastando
as pessoas que trabalham no meio científico e que conhecem
bem o assunto.
Novas descobertas causam enormes revisões
nos modelos teóricos existentes, demonstrando a fragilidade
e o caráter efêmero das recentes teorias da Física.
Recentemente tivemos a oportunidade de comentar a respeito desta
fragilidade na Física, devido a uma importante descoberta
na Física de partículas, e comparar com a solidez
da Doutrina Espírita que passou incólume perante todos
os descobrimentos do século XX[2].
Esta solidez se dá justamente porque o Espiritismo é
uma doutrina baseada em fatos experimentais
[2]1.
Comumente critica-se a comunidade científica
por não se interessar pelas questões espiritualistas,
no entanto, essa postura é bastante prudente.
Imaginem se a Ciência desse crédito a toda teoria espiritualista
que diz basear-se na Física Quântica para provar a
existência de Deus, do espírito ou qualquer outro princípio.
Uma pesquisa rápida na internet mostra que existem grupos
e seitas religiosas que se utilizam da Física Quântica
para darem respaldo aos mais variados assuntos. É importante
saber que a comunidade científica prefere rejeitar tais idéias
do que se arriscar com uma que seja completamente equivocada. Não
foi isso que Kardec nos orientou com relação a novas
questões? O espírito de Erasto nos orienta: “mais
vale repelir dez verdades que admitir uma só mentira, uma
só teoria falsa”[4].
Por outro lado, esta afirmação não impede ao
leitor de estudar e pesquisar seriamente tais fenômenos. Propostas
teóricas serão sempre bem vindas. Porém, é
preciso que o pesquisador entenda perfeitamente tanto as informações
científicas quanto a Doutrina Espírita. É necessário
que cada proposta teórica seja consistente tanto com os fenômenos
materiais, quanto com os doutrinários aos quais se referem.
Um ponto importantíssimo é que qualquer idéia
ou sugestão não comprovadas científicamente
deve ser divulgada e declarada como tal e não como uma certeza
científica. Isto é importante, pois orienta os futuros
leitores quanto ao atual status da pesquisa em determinados assuntos.
Na próxima matéria pretendemos explicar porque alguns
fenômenos ao nível quântico geram uma idéia
de que algo de origem divina esteja por trás deles. Comentaremos
alguns pontos positivos e negativos a respeito da recente proposta
espiritualista feita pelo físico Prof. Dr. Amit Goswami para
solucionar os paradoxos da Física Quântica.
Lembremos ainda o ceticismo de Allan Kardec com relação
às mesas girantes antes de conhecer melhor as causas do fenômeno.
Achava ele que se tratava de um frívolo divertimento sem
objetivo muito sério. Mas após constatar o fenômeno,
buscou interpretá-lo à luz dos conhecimentos científicos
da época. E, percebendo que os fatos tinham origem inteligente,
Kardec iniciou um longo e paciente trabalho de pesquisa onde, somente
após muita observação, estudo e questionamento,
publicou sua primeira obra, O Livro dos Espíritos. Caros
irmãos de ideal espírita, a ciência se desenvolveu
muito desde então, porém, o exemplo do Codificador
permanece tão atual quanto o foi em sua época. Sigamos
o seu exemplo trabalhando na pesquisa espírita com muita
perseverança, paciência, observação,
meditação, estudo e, só então, depois
de muita análise e muita autocrítica, é que
devemos levar a público os frutos de nossa pesquisa. Não
é necessário pressa, mas sim que tenhamos cuidado
naquilo que estivermos informando. Nada como um pequeno passo após
o outro. As gerações futuras agradecerão nossos
esforços de hoje.
Referências
[1] Allan Kardec, O Livro dos Espíritos,
FEB, 76a. Edição, (1995).
[2] A. F. da Fonseca, Revista Internacional de Espiritismo, março,
p. 93 (2003).
[3] F. Capra, O Tao da Física I, Editora Cultrix LTDA, 15a.
Edição, (1993).
[4] A. Kardec, Revista Espírita 8, p.257, (1861).
1 Na matéria da referência [2] o leitor encontrará,
também, um comentário a respeito das críticas
ao famoso livro “O Tao da Física”[3].
Artigo publicado no Jornal Alavanca
Setembro 2003
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Física
Quântica e Espiritismo II:
Comentando Alguns Paradoxos
Alexandre Fontes da Fonseca
http://www.espirito.org.br/portal/artigos/geae/fisica-quantica-2.html
Os fenômenos ao nível quântico apresentam características
completamente diferentes das que observamos no nosso cotidiano.
No entanto, é prematuro crer que eles sejam causados por
agentes de ordem divinos ou espirituais.
Na matéria anterior [¹],
apresentamos um alerta a respeito de algumas afirmativas envolvendo
idéias da Física Quântica e idéias espíritas
ou espiritualistas. Pretendemos aqui comentar por que os paradoxos
oriundos dos fenômenos quânticos geram a idéia
de que Deus ou algo espiritual sejam a causa ou a origem de tais
fenômenos. Pretendemos, também, discutir a respeito
de uma proposta espiritualista feita pelo professor de Física
Quântica, Prof. Dr. Amit Goswami, em seu livro “O Universo
Auto-Consciente”[²], para
solucionar esses paradoxos. O Prof. Goswami foi um dos convidados
internacionais no IV Congresso Nacional da Associação
Médico Espírita do Brasil ocorrido em São Paulo,
entre os dias 19 e 20 de junho de 2003.
Um dos fenômenos de natureza quântica que desperta exclamação
nas pessoas leigas em geral é o chamado Salto Quântico,
onde uma partícula “desaparece” da posição
(ou estado) em que está e “aparece” em outra
posição (ou estado) sem viajar através das
posições (ou estados) intermediários entre
o ponto (estado) inicial e final. Esse fenômeno sugere o pensamento
de que a partícula se desmaterializa na posição
inicial e se materializa, em seguida, na posição final.
Assim, surge a idéia de se comparar esse fenômeno com
o que a Doutrina Espírita descreve como sendo o efeito físico
de materialização de objetos. O erro ocorre, primeiramente,
porque partículas isoladas não são comparáveis
a objetos macroscópicos. Pensar que “a partícula
é desmaterializada aqui e materializada ali” é
uma forma “clássica” de se pensar, isto é,
é uma forma de pensar de acordo com o nosso costume de analisar
os movimentos dos objetos macroscópicos. Não existe
suficiente informação para concluir se o fenômeno
de materialização ou desmaterialização
de objetos macroscópicos ocorre da mesma forma como descrito
com um salto quântico. Vale lembrar que os mecanismos do salto
quântico são ainda uma incógnita para a Ciência.
Outra característica interessante é a chamada dualidade
onda-partícula onde um objeto quântico, apresenta características
ora de partícula, ora de onda, dependendo de como “olhamos”
para ela, isto é, de como o experimento é feito para
detectá-la. O aspecto que chama a atenção é
o caráter subjetivo do resultado do experimento: ele depende
da nossa escolha. Voltaremos a esse ponto adiante.
Existe um postulado da Mecânica Quântica chamado colapso
da função de onda. Por função
de onda, entende-se uma função matemática associada
às propriedades físicas de uma dada partícula
ou sistema formado por um conjunto delas. Segundo a Mecância
Quântica, o estado de uma partícula, antes de se fazer
uma medida, é representado por uma superposição
de todas as situações possíveis. Apenas após
a medição é que algum dentre os possíveis
valores de uma dada grandeza física se manifesta. É
dito, então, que a função de onda colapsou
para o estado representado pelo valor da grandeza medida. A partir
daí, dependendo da propriedade física, se não
houverem interferências externas, a partícula se caracterizará
por possuir o mesmo valor que foi medido para a tal propriedade.
Aqui, como no caso da dualidade onda-partícula, o observador
tem um papel decisivo na caracterização das propriedades
das partículas.
Um outro fenômeno que foi constatado experimentalmente é
o chamado fenômeno de não-localidade.
Num arranjo experimental conhecido como “experiência
de Einstein-Podolsky-Rosen” verificou-se ser possível
o envio de uma informação de modo instantâneo
de um ponto a outro do espaço. O salto quântico e o
colapso da função de onda seriam, também, exemplos
de fenômenos não-locais.
Não é preciso citar outros exemplos para percebermos
que esses fenômenos que acontecem com as partículas
da matéria são completamente diferentes daquilo que
vemos ao nível macroscópico. Esse caráter estranho
e misterioso que tais fenômenos apresentam têm levado
alguns irmãos nossos do movimento espírita a formularem
extrapolações de ordem espiritualista para explicá-los.
Apesar da intenção nobre de verificar o acordo entre
o Espiritismo e os avanços da Ciência, tais estudos
precisam ser feitos com um rigor ainda maior do que aquele que caracteriza
um trabalho usual de pesquisa científica, pois a responsabilidade
de divulgar uma idéia espírita ligada à Ciência
é muito grande. Imagine o leitor o que pensará um
cientista ao ler alguma interpretação errada de algum
conceito científico. Poderemos afastar o seu interesse no
Espiritismo por causa de uma idéia ou colocação
errada.
Desejamos comentar algo a respeito do trabalho do Prof.
Dr. Amit Goswami que propõe a chamada Filosofia
Idealista como solução para os paradoxos que apresentamos
anteriormente. Segundo Goswami [²]
uma solução seria postular-se a existência de
uma consciência maior ou consciência cósmica
que seria onipresente (para resolver o problema da não-localidade)
e estaria ligada a cada ser humano (para resolver o problema do
colapso da função de onda).
Esta proposta é interessante do ponto de vista espiritualista
e, ao nosso ver, se constitui na primeira proposta espiritualista
mais séria envolvendo questões de ordem científica.
Note que utilizamos a palavra espiritualista e não espírita.
A razão para isso é que, em nossa análise,
apesar da proposta do Prof. Goswami introduzir a existência
de uma consciência que poderia ser considerada, em princípio,
como o Criador, ela não resolve o problema do Espírito.
Segundo a sua proposta, a nossa consciência individual não
existiria de forma independente do corpo físico. Isso está
em franco desacordo com a Doutrina Espírita que afirma que
somos a “individualização do princípio
inteligente” [³] (questão
79 de O Livro dos Espíritos), e que o princípio inteligente
independe da matéria.
Como o Prof. Goswami foi um convidado especial no MEDINESP 2003,
é preciso reafirmar o alerta que fizemos na matéria
anterior [¹] de modo a orientar
o leitor a receber as suas idéias e opiniões com precaução.
Faço minhas as palavras do espírito de Erasto (Revista
Espírita [4]): é preferível
“rejeitar 10 verdades do que aceitar uma só mentira”(grifos
nossos).
Aproveitamos, ainda, esta oportunidade para convidar o leitor amigo
ao exercício da ponderação quando ler ou ouvir
dizer, mesmo dentro do movimento espírita, que disciplinas
científicas como a Física, a Química ou a Biologia
estão provando as idéias espíritas. Devemos
ter cuidado com o material divulgado que leva o adjetivo de espírita.
Mesmo as pesquisas mais sérias, como é o caso da proposta
do Prof. Goswami, não podem ser tomadas como verdades resolvidas.
Seria interessante consultar vários profissionais da área
de Física, Química ou Biologia antes de se dar crédito
a essa ou aquela proposta ou teoria. Seria de grande importância
que os autores e escritores que divulgam trabalhos espíritas
nesses campos que publiquem a explicação completa
dos mecanismos de suas propostas. Isso nos ajuda a fazer uma análise
crítica de cada idéia. Uma afirmativa não tem
valor científico só porque está ligada a um
tema científico. Mesmo autores que são profissionais
em Ciência devem ser questionados já que isso não
é garantia de que suas idéias são verdadeiras.
Ainda sobre os paradoxos da Mecânica Quântica, vale
lembrar que para a comunidade científica eles ainda não
foram completamente pesquisados e esclarecidos. A atitude mais prudente
é esperar pelo desenvolvimento dessas pesquisas de modo a
termos mais certezas e seguranças sobre o assunto.
Como físico, posso dizer que, apesar de não conhecermos
ainda os seus mecanismos mais profundos, os fenômenos descobertos
pela Física Moderna não estão em desacordo
com os princípios básicos da Doutrina Espírita.
E o que considero, particularmente, importantíssimo: eles
(os fenômenos da Física Moderna) não sugerem
que ela (a Doutrina Espírita) precise ser atualizada.