Um dos princípios básicos
do Espiritismo é a fé raciocinada. O capítulo
XIX do Evangelho Segundo o Espiritismo [1]
é inteiro dedicado ao estudo da fé. Kardec, primeiro,
analisa o poder da fé em remover as mais difíceis
montanhas morais que atrapalham o progresso da humanidade. As características
da fé são também analisadas. “A fé
sincera e verdadeira é sempre calma” diz Kardec no
item 3 do referido capítulo, mostrando que “acalma
na luta é sempre um sinal de força e de confiança”
e que a violência apenas denota a fraqueza e insegurança
daquele que assim procede para resolver seus problemas.
Kardec analisa, também, o poder da fé na ação
magnética dos fluidos sobre a matéria. Ele diz que
“aquele que a um grande poder fluídico normal junta
ardente fé, pode, só pela força da vontade
dirigida para o bem, operar esses singulares fenômenos de
cura e outros, tidos antigamente por prodígios, mas que não
passam de efeito de uma lei natural”. É por essa
razão que os discípulos de Jesus não puderam
curar o moço lunático na passagem de Mateus, cap.
XVII, vv. 14 a 20.
Em seguida, Kardec analisa a fé religiosa e apresenta a condição
da fé inabalável. A fé pode ser cega ou
raciocinada. No primeiro caso, a fé nada examina e aceita
sem controle o falso e o verdadeiro [1].
Aquela que tem a verdade por base é a única que pode
resistir às transformações devido ao progresso
do conhecimento. Dessa forma, Kardec apresenta a condição
da fé inabalável: “Fé inabalável
só o é a que pode encarar de frente a razão,
em todas as épocas da Humanidade” (Item
7, cap. XIX, Evangelho Segundo o Espiritismo[1]).
Kardec não fica apenas na análise do assunto. Ele
exemplifica o exercício da fé raciocinada ao preparar,
por exemplo, o conteúdo do capítulo XXIII do Evangelho
Segundo o Espiritismo [1], Moral
Estranha, onde ele analisa algumas passagens em que Jesus faz
afirmativas que ao pé da letra são contrárias
à mensagem de amor contida no Evangelho. Ao invés
de aceitar sem questionar o conteúdo dessas passagens, Kardec
as analisa sob a luz da razão e do bom senso, retirando delas
lições preciosas para todos nós.
Uma das passagens evangélicas de grande expressão
é aquela conhecida como “Jesus e o Centurião”.
Caibar Schutel [2] analisa essa passagem
retirando valiosíssimos ensinamentos sobre a humildade e
a fé. Em resumo, nessa passagem, Jesus é interpelado
por um Centurião ao entrar em Cafarnaum: “Senhor,
o meu criado jaz em casa paralítico (...)” [3].
Jesus, então, respondeu-lhe: “eu irei curá-lo”
[3]. O Centurião, demonstrando
enormes conquistas no terreno da humildade, exclamou que não
se sentia digno de receber Jesus em sua casa mas “dize
somente uma palavra e o meu criado há de sarar.”
[3]. O ponto que nos interessa nessa
matéria vem das seguintes palavras do Centurião proferidas
após as que acabamos de citar: “Porque
também sou homem sujeito à autoridade e tenho soldados
às minhas ordens, e digo a um: vai ali, e ele vai; a outro:
vem cá, e ele vem; ao meu servo: faze isto, e ele o faz.”
(destaque em negrito feito por nós).
Caibar Schutel sintetiza: “(...) foi esta a Fé,
engrandecida pelos conhecimentos, purificada pela humildade, santificada
pela prece na pessoa do centurião, que o mestre justificou,
dizendo: ‘Em verdade vos afirmo que nem mesmo em Israel achei
tamanha fé!’ ”.
Schutel destacou o fato de que a fé do Centurião estava
“engrandecida pelos conhecimentos” como um dos fatores
para a exclamação de Jesus perante ele. Nós
aqui desejamos destacar que isso nada mais significa que o Centurião
usou aquilo que chamamos de fé raciocinada.
Jesus reconhecia que o Centurião era uma pessoa boa e que
o servo doente, certamente, merecia a cura de sua moléstia.
Por isso afirmou que iria curar o doente. Porém, o Centurião
disse que ao invés de ir à sua casa, bastava Jesus
dizer uma palavra que o servo estaria curado. E para mostrar que
entendia como isso era possível o Centurião expôs
um raciocínio, uma analogia.
Assim como ele, uma autoridade militar, tinha soldados e servos
sob suas ordens, Jesus, uma autoridade moral, também tinha
Espíritos que cumpriam suas determinações.
O que é isso senão um simples, porém legítimo
raciocínio?
Após o raciocínio do Centurião, Jesus demonstrou
enfaticamente sua aprovação e apoiou essa manifestação
de fé ao dizer que nunca tinha visto tamanha fé
em toda Israel!
Essa passagem evangélica é muito simples
e não tem sentido figurado. Tanto o Centurião
em seu raciocínio, quanto Jesus na sua exclamação,
foram muito claros. A maior fé de Israel não era a
dos discípulos que conviviam com Jesus, mas sim de um homem
que soube aliar a pureza de seus sentimentos com a simplicidade
da razão e do bom-senso.
A análise de Caibar Schutel de toda essa passagem evangélica
é muito instrutiva e merece ser lida e estudada por todos.
E não tenhamos nenhum receio em afirmar que Jesus aprovou
a fé raciocinada. Não foi a toa que os Espíritos
superiores ensinaram que a verdadeira fé possui a compreensão
das coisas e é a única capaz de sobreviver ao progresso
da razão em qualquer época.