O Espiritismo é a única
doutrina espiritualista que não foi desenvolvida a partir
dos esforços de uma única pessoa ou único grupo
de pessoas. Ele constitui-se no ensinamento das vozes do
além que, ao mesmo tempo, chamaram a atenção
para a existência do mundo espiritual e apresentaram as leis
que o regem. As vozes fizeram presença em toda parte mostrando
a Kardec que elas não estão circunscritas a nenhum
grupo ou local em especial. Esse caráter universal do Espiritismo
o torna imune contra qualquer tentativa de torná-lo "doutrina
para iniciados" pois onde quer que existam pessoas,
as vozes poderão aí estar levando a sua mensagem.
Foi necessário, porém,
que alguém com elevada capacidade intelectual e moral, pesquisasse
e codificasse todos esses ensinamentos para que pudesse ser melhor
apreendido por todos os que se interessassem. Mas, curiosamente,
as vozes ao invés de aproveitarem o prestígio que
o sobrenome Rivail detinha como educador e cientista, junto às
academias de ciência da época, elas sugeriram que as
obras destinadas à divulgação da nova doutrina
fossem assinadas com um nome até então desconhecido:
Allan Kardec. Dessa forma, vemos que as vozes não sugeriram
que o Espiritismo nascesse no interior das cátedras, com
o brilho que as modernas teorias de até então detinham,
mas sim que ele nascesse como uma humilde mas verdadeira doutrina.
Isso nos lembra a humildade de Jesus que sendo o maior entre nós
preferiu a manjedoura para iniciar seus passos no nosso mundo. Queriam
as vozes que os futuros leitores buscassem o Espiritismo não
por causa do prestígio de Rivail mas, pelo simples interesse
no assunto.
Nos dias de hoje, muita coisa mudou
desde a publicação da primeira edição
de O Livro dos Espíritos, em 1857. A ciência desenvolveu
novos paradigmas sobre a realidade e a tecnologia atingiu níveis
inimagináveis. O ser humano vive mais tempo, em média,
e com maior qualidade de vida, no sentido material. Porém,
no campo moral, o nível evolutivo da humanidade não
difere muito do da época de Kardec, deixando ainda muito
a desejar. O desenvolvimento dos direitos humanos, por exemplo,
mostra que já temos algum progresso no campo moral mas ainda
estamos longe do nível satisfatório que o progresso
material atingiu. Sabemos estirpar o tumor que ameaça o equilíbrio
orgânico mas não sabemos como eliminar o "câncer"
de orgulho e egoísmo que mutila a alma e gera tanta dor e
miséria, estando na raiz de todos os males e problemas do
nosso mundo.
Um dos objetivos do Espiritismo
é ajudar o Homem a retomar o caminho ensinado, em essência,
por todas as religiões. Ao mostrar que o amor e a fraternidade
são leis tão naturais quanto aquelas que fazem uma
maçã cair ao chão, o Espiritismo desmistifica
os ensinamentos cristãos tornando-os inteligíveis
à todo aquele que busca "algo mais"
além da matéria. E, em face do atraso moral de nossa
humanidade, existe uma certa urgência na sua transformação
para o bem. Assim, tudo o que contribuir para o despertar do ser
humano para as necessidades morais será muito bem vindo e
terá, com certeza, o apoio daquelas mesmas vozes que iniciaram
o processo de codificação.
Isso posto, vamos discutir uma questão
que a mais de 10 anos [1] tem sido
levantada por alguns irmãos da seara espírita. Se
trata da ligação do Espiritismo com a instituição
conhecida como Universidade. Existem opiniões divergentes
dentre os irmãos espíritas. Alguns defendem fortemente
a inserção do Espiritismo na Universidade como disciplina
acadêmica e tópico de pesquisa [2],
enquanto outros, sem discordarem de forma absoluta, levantam questionamentos
importantíssimos para uma análise das possíveis
consequências dessa idéia [1].
Por exemplo, o que significaria um título acadêmico
em Espiritismo? Um doutor em Espiritismo será melhor do que
um espírita sem o título? Sabemos que não.
Mas, por outro lado, o reconhecimento do conteúdo espírita
como tema de estudo legítimo nas Universidades não
ajudaria a promover a divulgação da Doutrina Espírita?
Não elevaria o valor da mesma perante os olhos da sociedade?
Essas questões não são fáceis de responder.
De fato o interesse intelectual pelo Espiritismo cresceria o que
não garante, em princípio o interesse na prática
moral elevada, mas isso já seria um avanço. Pretendemos
discutir a idéia de que essas consequências positivas
para o aumento do interesse no Espiritismo não são
condições suficientes que justificariam uma certa
ênfase e ansiedade nessa inserção do Espiritismo
nos meios acadêmicos. Não discordaremos em absoluto
dos que defendem essa inserção mas lembraremos de
alguns outros cuidados necessários para que essa não
venha a se tornar uma empreitada destinada ao fracasso, como muitas
outras na história das religiões.
O primeiro detalhe importante
que os interessados nessa inserção não
devem esquecer é que o Espiritismo, que é uma doutrina
bem estabelecida, não necessita dessa inserção
para sua sobrevivência. O Espiritismo representa o ensinamento
das vozes que estão por toda a parte ajudando o ser humano
a se lembrar dos seus deveres cristãos. Se um dia todos os
livros espíritas forem queimados elas, as vozes, poderão
ditar outros e o trabalho nunca ficará totalmente perdido.
O segundo detalhe é
que os fins não justificam os meios. Quem quer que use a
bandeira espírita em nome de qualquer projeto, seja de inserção
do Espiritismo nas Universidades, ou seja o que for, deve ser o
primeiro a dar o exemplo da doutrina que professa. Um desses exemplos
é a forma pela qual o companheiro que pensa diferente é
tratado e, particularmente, como o companheiro espírita que
pensa diferente é tratado.
O terceiro detalhe e,
talvez, o mais importante é que antes de defender o estudo
e pesquisa da Doutrina Espírita nos meios acadêmicos,
deve o pesquisador espírita ter consciência de como
a tem vivenciado dentro e fora desse ambiente. De que adianta a
defesa de teses brilhantes relacionadas ao Espiritismo se nossos
atos desmentem, logo em seguida, a essência dos seus ensinamentos?
Como sabemos que já existem vários irmãos espíritas
que já defenderam teses e dissertações sobre
temas relacionados com o Espiritismo, esclarecemos que o questionamento
acima não é nenhuma crítica particular a ninguém,
mesmo porque este autor não conhece pessoalmente nenhum deles.
O questionamento acima é
ponto básico para que o verdadeiro ideal não seja
esquecido em nome de “ver” o Espiritismo divulgado nos
paineis e seminários dentro das Universidades.
O primeiro esforço
deve ser o da reforma íntima sem a qual nenhum projeto,
por mais nobre e dignificante que seja, não conseguirá
ir adiante.
Um outro ponto que precisa ficar
claro é que o jovem espírita que esteja iniciando
a sua carreira acadêmica não deve se sentir na obrigação
de ter que trabalhar em alguma tese ligada ao Espiritismo. O jovem
espírita não deve se sentir envergonhado se seu trabalho
de tese não tem ligação com o Espiritismo.
O jovem espírita, como nenhum outro jovem, não pode
correr o risco de iniciar um projeto "às escuras",
mal preparado e sem perspectiva de resultados sob pena de prejudicar
seu futuro profissional e, por conseguinte, sua influência
como espírita no meio acadêmico. Apenas se o jovem
espírita encontrar um orientador com interesse real e competência
suficiente para propor ou formular um bom projeto de pós-graduação
em tema espírita é que ele pode aceitar se assim desejar.
Que fique bem claro que
o fato de uma tese ser espírita não torna o autor
especial ou melhor do que os outros. E, muito pelo contrário,
o fato de uma tese não ser espírita não torna
o autor espírita pior ou menos especial que ninguém.
É importante que esse tipo de julgamento não seja
feito porque viola os ensinamentos cristãos e, portanto,
é atitude anti-doutrinária. Muitas vezes uma boa tese
em assunto não-espírita pode levar o autor a ter oportunidades
futuras em posições de maior destaque onde, como espírita,
ele ou ela poderá fazer muito pela divulgação
do Espiritismo.
É preciso buscar o ponto
de equilíbrio sobre a questão da falta de “coragem
moral”. Ao mesmo tempo que devemos dar exemplos de nossa crença,
não devemos “jogar pérolas aos porcos”.
A insistência com projetos espíritas que não
sejam bem consistentes pode levar ao descrédito do pesquisador
e do movimento espírita.
Em resumo, concordamos que uma condição
necessária para um progresso na divulgação
do Espiritismo junto à sociedade seja a sua inserção
nas Universidades através de projetos de pesquisa, teses
e cursos. Mas essa condição não é suficiente
para o sucesso na divulgação espírita. É
preciso que o pesquisador espírita busque ser espírita
dentro e fora da Universidade. Que o estudante e o professor
espíritas vivenciem o Evangelho dentro e fora dos ambientes
acadêmicos.
O Espiritismo na universidade
pode até ser necessário como mais um “ajudante”
no progresso moral da Humanidade mas, com certeza, não é
condição suficiente para isso. O livro O Evangelho
Segundo o Espiritismo explica bem o porquê.