Um simples cafezinho pode nos
ensinar muito sobre a gestão...
No mítico centro da cidade
do Rio de Janeiro, a nossa Sebastiana, um grupo de jovens ousado
e visionário inventou uma nova forma de se vender café.
Em um ambiente simples e agradável da sobreloja do edifício
garagem “Menezes Cortes”, eles instalaram as suas máquinas
com cafés personalizados e artesanais, tendo ao fundo, colado
na parede, um rústico quadro negro, que estampa os custos
necessários a produção de cada produto disponível.
O diferencial do referido estabelecimento comercial é que
cada cliente paga o que achar justo, ou ainda, o que puder naquele
dia! Os clientes sabem dos custos envolvidos e são convidados
a ofertar um preço por eles considerado justo. Ao chegar
lá um novo cliente, existe uma preleção sobre
a filosofia desse singelo negócio, e ainda que você
custe a acreditar que isso é possível, fica claro
que a ideia é que você se sinta bem, que se crie ali
uma relação sustentável, em torno do nosso
já conhecido cafezinho.
Relação sustentável, essa é a pedra
de toque que faz estar cheio o local todas as vezes que lá
estive. Aqueles meninos vão longe... A cumplicidade, o ambiente
de pertencimento, de satisfação mútua, essas
são as chaves. Surge uma rede de fidelização...
Desde os estudos de Moreno sobre crianças brincando nos parquinhos
até as reflexões de Marcel Mauss sobre a dádiva,
nas lembranças das valiosas aulas do Prof. Calmon da Universidade
de Brasília, muitas ideias contribuíram para conceituar
as redes, que não são discussões do campo da
informática e sim das relações humanas, que
usam vários instrumentos na sua construção,
da voz ao Facebook.
As redes são arranjos de atores não hierarquizados,
com regras e relações, buscando pela adesão
atender objetivos comuns, mesclando em sua governança arranjos
produtivos de caráter competitivo e cooperativo.
Seja em torno do café, seja para promover a Educação
Básica em nosso município, temos vários motivos
para nos organizarmos em torno de uma ação comum,
cada um remunerado a sua maneira, mas com um quê de doação,
de articulação, de não valoração
de todos os insumos.
Intervimos assim na realidade de forma matricial, para além
de um paradigma burocrático, de valorização
de normas na regulação das relações,
ou de uma visão mercadológica, na qual o ganho se
faz apenas na disputa e na satisfação de necessidades
de forma biunívoca. O móvel da discussão das
redes, que se aplica também a gestão de políticas
públicas, nos traz um modelo mais realista, no jogo de forças
sociais e no moto das ações humanas.
Assim como os meninos do café, as redes necessitam ser sustentáveis.
Esse é um dos princípios básicos da sua governança.
Não adianta somente a ação incisiva da supremacia
da norma e nem apenas o confronto na busca da melhor opção.
As relações se pautam por interesses comuns, associados,
com custos transacionais às vezes não mensuráveis,
e isso deve e pode ser considerado no projeto de governança.
Essa é a essência da atividade estatal e por isso o
desenho matricial se ajusta tão bem a essa seara. De arranjos
federativos a consórcios de organizações civis
e órgãos estatais, a ideia da rede se ajusta bem a
gestão dessas atividades, demandando, obviamente mecanismos
de governança, para que ela seja produtiva, tenha sentido.
Isso não significa negar o conflito, os desequilíbrios
e sim propor a construção de novas formas de arranjar
forças, necessidades e conflitos. A governança da
rede funciona na base da indulgência, desse entendimento das
fragilidades e potencialidades dos envolvidos e da necessidade de
se ceder para a construção dos objetivos planejados,
exercendo a hierarquia em determinados momentos e fomentando a competição
em outros.
Desse modo, discussões recentes como a transparência,
o controle social, a gestão de riscos, ajustam-se de forma
primorosa a visão de mecanismos de governança em rede,
pois esses mecanismos aumentam a confiança no sistema e torna
as relações mais sustentáveis, pelo fluxo de
informações e pela dosagem das interações.
O sistema funciona a base de credibilidade. Os atores aderem as
ações propostas pela crença de se tratar de
uma relação de ganha-ganha. Não existe sistema
hierárquico perfeito, pois as ordens são reinventadas
e descumpridas por força de interesses mais próximos.
Não existe mercado perfeito, nos interesses difusos e complexos
e na falta de uma visão onisciente de tudo que é necessário
e ofertado, e pelas diferenças naturais que geram desequilíbrios
que prejudicam o todo.
Tudo cai na rede, no arranjo de forças e vontades, onde conta
a remuneração, mas conta também o dever e a
necessidade de ajustes para se construir o desejável e o
possível. Daí giram concessões, ganhos, e outras
ações que permitam a sobrevivência do projeto
pretendido.
A governança das políticas públicas, em especiais
as sociais, envolvem múltiplos parceiros, estatais ou não,
movimentos sociais, e essa abordagem vem ao encontro desse tipo
de atuação, na necessidade de um Estado plural, mas
que seja eficaz e eficiente, contemplando atores, interesses e possibilidades
e que esses possam se controlar e construir regras próprias,
mas que se tenham diretrizes comuns, como parte do processo de gestão,
para evitar ociosidades e explorações.
Um simples programa de merenda escolar envolve vários atores:
alunos, profissionais da saúde, pais, governo, empresas,
merendeiras, professores, transportadoras... Cada qual objetivando
maximizar seus ganhos. A governança em rede, pela atuação
em determinados pontos de controle, pelo fomento a competição
pela transparência, pela criação de fóruns
de debate para ouvir clientes segmentados, pode trazer equilíbrio
a rede de forma dinâmica, sabendo que o poder organizacional
se espraia, tentando desequilibrar as relações nessa
maximização.
Fugir disso é endeusar a burocracia, que pode se converter
em autoritarismo, ou é jogar tudo na conta do mercado, que
visa o lucro de poucos, gerando outras formas de dominação.
A lógica é a sustentabilidade da rede! Criamos um
programa para que ele subsista, atenda a todos de forma melhor no
decorrer do tempo, não visando o lucro individualizado ou
o cumprimento de normas ensimesmado.
Um dia após o outro vivemos, colhemos frutos que outras gerações
plantaram e plantamos muito do que não colheremos. Às
vezes ganhando, às vezes perdendo... Para o sistema sobreviver
é preciso confiança e ganho mútuo, carecendo
de governança, como um maestro a reger todo esse processo.
E isso custa mais que um cafezinho...