Originada na Itália, durante a Idade Média, a Roda
dos expostos era um engenhoso mecanismo que permitia a entrega de
uma criança para ser criada pela Igreja, sem a identificação
visual do depositante. Surgida da preocupação desses
religiosos com o grande número de bebês jogados na
rua, que pereciam de frio, fome e pelo ataque de cães, caracteriza-se
a roda como um sistema de proteção à criança
abandonada, e, ainda que pareça pela sua descrição
uma coisa bárbara, teve a sua gênese na preocupação
cristã com o próximo.
*
Brasília, Capital federal, primeira quinzena
de janeiro do ano de 2012. No mundo de Ipads, partículas
subatômicas e viagens espaciais, mais uma vez os periódicos
estampam, para a surpresa reiterada dos leitores, uma criança
recém-nascida abandonada em uma bolsa de mercado nas cercanias
do comércio, sendo encontrada por transeuntes no plano piloto.
Passados mais de 500 anos da Roda dos expostos, agora extinta, a
problemática de abandono de bebês ainda continua pungente
na sociedade, encontrando soluções tão bárbaras
como na Idade Média, repetindo a vida na roda dos séculos.
A Roda dos expostos, o aborto induzido por medicamentos
caseiros, o abandono em vias de circulação, a interrupção
da gravidez em clínicas de luxo... Todas essas medidas são
soluções encontradas no decorrer da história
da humanidade para uma questão subjacente, pouco lembrada
na lamentação dessas situações hediondas,
que é a gravidez indesejada, oriunda do ato sexual irresponsável.
A solução de abandono, de homicídio
contra o indefeso, a venda de crianças, entre outros, são
soluções encontradas para sanar a vergonha e fugir
à responsabilidade, causa originária desses efeitos,
pois a lógica nos indica que, dado o sofrimento inerente
a todas essas soluções, raros engravidariam lucidamente
somente com o propósito de abortar ou abandonar seu filho
ao relento.
Assim, impossível dissociar o fenômeno
do abandono de bebês e do aborto delituoso da questão
das relações adúlteras, das paixões
ocultas, do abandono da responsabilidade paterna, do planejamento
familiar, da falta de amparo da sociedade e da família e,
ainda, do desejo egoístico de conforto e liberdade.
Discutir os crimes-efeitos sem analisar as causas
é não avançar sobre formas efetivas de reduzir
essas situações, que permeiam a sociedade desde antes
da Idade Média, em uma roda de soluções mais
ou menos cruéis de problemas que se perpetuam, sendo que
algumas delas desrespeitam o direito à vida do Espírito
encarnante, gerando débitos nas reencarnações
como pais e filhos.
Da mesma forma que surgem os algozes das soluções
fáceis e ocultas, curiosamente nós mesmos hostilizamos
as mães solteiras, heroínas desconhecidas (BARCELOS,
1995) e os raros, mas presentes, pais solteiros, que abraçaram
diante da gravidez soluções dignas, mas trabalhosas,
oferecendo ao irmão a oportunidade bendita da reencarnação,
mostrando no plano concreto que caminhos diversos são possíveis.
Chico Xavier (1972) nos fala da importância
do planejamento familiar de acordo com as possibilidades econômicas
do casal, como solução honrosa para os problemas do
aborto e do abandono, ainda que o planejamento familiar deva ser
sempre sopesado em uma tabela de valores em que a espiritualidade
se sobreponha ao conforto, para que não troquemos filhos
por eletrodomésticos.
Da mesma forma, as mudanças de parceiros
e os ritmos ciclópicos nas relações, presentes
na história da humanidade, ainda que a família sempre
tenha fulgurado como mecanismo equilibrador, não pode penalizar
um terceiro que não pode se defender (ANGELIS, 1992), como
um complicador de relações já complexas, olvidando
que a consciência deve dirigir a conduta sexual de cada indivíduo
(ANGELIS, 1990), e que isso implica pensar nas consequências,
mas também responder por elas, diante do parceiro e do Espírito
reencarnante, na indissociável relação liberdade-responsabilidade.
Chocamo-nos com as estatísticas abortivas
listadas nos periódicos e ainda nos melindramos com mães
que abandonam seus filhos pelas esquinas, revivendo o espanto de
problemas que atravessam os séculos, pelo matiz de sua crueldade,
incomodando a opinião pública que dela toma conhecimento.
Entretanto, o processo de gestação
originário dessas crueldades é fruto de promessas,
irresponsabilidades, transgressões morais e inversões
de valores que, conduzidos a situações extremas, pela
fraqueza dos espíritos, resultam em decisões desastrosas
de indivíduos, com consequências gravíssimas.
Os algozes ocultos da infância, ainda que
observados pela justiça divina, por vezes não sofrem
a hostilização dos que assumem filhos fora do casamento
ou dos que enfrentam o desafio da maternidade solitária,
na contradição da condenação dos que
optam pela vida, ignorando a opinião pública a miríade
de problemas que cada criatura humana carrega no campo da sexualidade,
no estágio evolutivo em que nos encontramos.
Sem mergulharmos na essência dessa questão,
iludidos pelas aparências dos efeitos, não perceberemos
os pontos de inflexão e as responsabilidades nesse processo,
debulhando-nos em lágrimas a cada telejornal, para depois
nos divertirmos com os escândalos sexuais das telenovelas,
não efetuando a associação necessária
das situações execradas do aborto e do abandono com
uma questão maior, e nem por isso menos complexa, que é
a sexualidade, a ser trabalhada não na proibição,
mas na educação, pelas sábias palavras de Emmanuel
(1994).
Referências bibliográficas:
ÂNGELIS, Joanna de (Espírito). O Homem
Integral/Psicografia de Divaldo Pereira Franco. Salvador: Livraria
Espírita Alvorada, 1990.
ÂNGELIS, Joanna de (Espírito). Após
a tempestade/Psicografia de Divaldo Pereira Franco. Salvador: Livraria
Espírita Alvorada, 1992.
BARCELOS, Walter. Sexo e evolução.
Rio de Janeiro: Editora FEB, 1995.
EMMANUEL (Espírito). Vida e sexo/ Psicografia
de Francisco Cândido Xavier. Rio de Janeiro: Editora FEB,
1994.
XAVIER, Francisco Cândido. Chico Xavier.
Dos Hippies aos problemas do mundo. São Paulo: Editora LAKE,
1972.