Será contrário à
lei da Natureza o aperfeiçoamento das raças animais e
vegetais pela Ciência? Seria mais conforme a essa lei deixar que
as coisas seguissem seu curso normal?
"Tudo se deve fazer para chegar à perfeição
e o próprio homem é um instrumento de que Deus se serve
para atingir seus fins. S endo a perfeição a meta para
que tende a Natureza, favorecer essa perfeição é
corresponder às vistas de Deus."
a) Mas, geralmente, os esforços que o
homem emprega para conseguir a melhoria das raças nascem de um
sentimento pessoal e não objetivam senão o acréscimo
de seus gozos. Isto não lhe diminui o mérito?
"Que importa seja nulo o seu merecimento, desde
que o progresso se realize? Cabe-lhe tornar meritório, pela intenção,
o seu trabalho. Demais, mediante esse trabalho, ele exercita e desenvolve
a inteligência e sob este aspecto é que maior proveito
tira." (LE, Q. 692)[1]
Nas últimas décadas a Humanidade acompanhou
atônita os inúmeros progressos realizados no campo da Genética
e suas conseqüentes aplicações em vários departamentos
da vida no Planeta. A Genética é o "ramo da Biologia
que estuda as leis da transmissão dos caracteres hereditários
nos indivíduos, e as propriedades das partículas que asseguram
essa transmissão" [2]. Tais
partículas são os cromossomos (em número de 46
na espécie humana), constituídos de genes (estima-se que
existem mais de 100 milhões, no homem), que por sua vez são
estruturados a partir de moléculas orgânicas (proteínas),
formadas de átomos (principalmente Carbono, Hidrogênio
e Oxigênio).
Palavras como "gene", "mutação
genética", "clonagem", "alimentos transgênicos",
"Engenharia Genética", "Biotecnologia", dentre
outras, antes restritas aos ambientes acadêmicos ou de pesquisa
científica, ganharam domínio público, apesar de
nem sempre seus empregos denotarem conhecimento acerca de seus significados.
Nunca se avançou tanto na compreensão e capacidade de
manipulação dos mecanismos responsáveis pela organização
dos seres vivos no Planeta... Juntamente com o domínio do conhecimento
advindo com a Genética, hoje é possível a clonagem
de animais (geração de uma cópia a partir de uma
célula adulta do animal), obtenção de espécies
vegetais mais nutritivas ou resistentes a determinadas pragas e doenças,
melhoramento genético de animais a fim de obter indivíduos
com determinadas características (frango com mais carne no peito
ou "chester", espécies bovinas precoces, etc.), para
citar apenas algumas conquistas, sendo previstas para os próximos
anos o completo seqüenciamento dos genes humanos (Projeto Genoma),
e a cura para inúmeras doenças de cunho hereditário,
ou genético.
Frente a este "Admirável Mundo Novo"
que nos é descortinado pelo saber, o que a Doutrina Espírita
tem a nos falar? Lembremos que não é tarefa do
Espiritismo competir com as ciências humanas, mas, sendo este
uma síntese do conhecimento moral humano, compete-lhe promover
uma reflexão acerca dos acontecimentos que nos rodeiam e também
acerca dos rumos do futuro. A função do Espiritismo é
dar suportes para uma análise crítica dos fatos que nos
são apresentados no dia a dia pela mídia e realizar um
debate acerca das suas conseqüências éticas e morais.
Através da pergunta de O Livro dos Espíritos
que transcrevemos no início deste artigo, percebemos facilmente
que compete ao ser humano auxiliar na Obra da Criação,
agindo como Co-Criador em plano menor, na feliz expressão de
André Luiz [3]. A fim
de assumir as futuras funções de "mensageiros e ministros
de Deus, cujas ordens executam para manutenção da harmonia
universal" (LE, Q. 113), entendendo
que tais funções envolvem a criação contínua,
manutenção e aprimoramento da vida, nos planos material
e espiritual e que são executadas pelos Espíritos Puros,
necessitamos ensaiar em etapas anteriores, através de funções
mais simples, as futuras responsabilidades que nos serão apresentadas.
Obviamente, que o aprendizado é paulatino (e envolve além
do conhecimento, o aprimoramento moral) e há uma grande distância
entre o nosso estágio atual e o futuro estágio de Espíritos
Puros que inevitavelmente alcançaremos, já que o único
determinismo que existe no Universo, segundo a visão espírita,
é o da Perfeição, que estamos todos destinados,
afinal, "todos se tornarão perfeitos" (LE,
Q. 116).
Realizando uma análise na História
da Humanidade percebemos que percorremos algumas etapas distintas,
com relação à nossa capacidade de influir no aperfeiçoamento
do Planeta:
1a Fase _ Observação:
O homem era um espectador da Natureza e era completamente submisso aos
seus fenômenos; por não compreendê-los, temia-os.
Corresponde às etapas iniciais da Espécie Humana, quando
esta se limitava a caçar, colher frutos, escolher uma boa caverna
para morar, etc.
2a Fase _ Manipulação da Matéria
Grosseira: Através do aprendizado efetuado na etapa
anterior, da observação, o Homem começa a manipular
o solo para construir moradias mais confortáveis; manipula os
metais, através da metalurgia, para construir utensílios
e armas; manipula as reações químicas para produzir
inúmeros produtos químicos. Esta fase vai do domínio
do Fogo, até o domínio das forças atômicas,
pela desintegração nuclear, limite da matéria,
nos moldes que a percebemos.
3a Fase _ Manipulação da Vida
Orgânica: Estaríamos vivendo os primórdios
desta era, na qual aprenderemos a manipular os segredos da vida orgânica
no Planeta. Com o aprendizado realizado nas etapas anteriores, agora
o ser humano se ensaia para criar corpos. Veja que não estamos
falando de criar a vida, pois a manipulação da vida orgânica
envolveria apenas os corpos e não os espíritos. Segundo
a Doutrina Espírita, a vida no planeta se dá pela interação
entre o elemento espiritual (espírito) e o material (corpo físico).
Nesta 3a Fase, o homem estaria aprendendo a manipular apenas um dos
componentes da vida, ou seja, aquele que pertence à matéria.
Talvez pertencerá a etapas futuras, o aprendizado acerca das
origens do elemento espiritual!
Paralela aos desenvolvimentos científicos, há
uma discussão ética que necessita ser
feita, e perpassa por questões tais como: Quais os interesses
econômicos que estão impulsionando os recentes avanços?
Que será feito do conhecimento advindo com estes avanços?
Este conhecimento estará a serviço da melhoria das condições
de vida no Planeta para todos, ou disponível apenas a uma pequena
parcela? Quais as ideologias presentes em todos estes avanços?
Pensamos que perguntas acerca das finalidades dos avanços, do
egoísmo (ou outras paixões) presente naqueles que querem
o conhecimento para aumentar seus gozos, dentre outras, estão
já respondidas na Questão 692 de O Livro dos Espíritos.
Percebemos assim que a Doutrina Espírita, apesar
de codificada em uma época na qual a Genética ainda nem
existia (as Leis de Mendel, consideradas o marco inicial da Genética,
foram publicadas em 1866), permanece atual na sua tarefa de esclarecer,
instruir e consolar o Homen, mostrando sempre a capacidade de responder
novas questões que vão surgindo com os avanços
da ciência humana, que ainda é um pálido reflexo
da Ciência Divina.
Referências Bibliográficas:
[1] KARDEC, ALLAN. O Livro dos Espíritos. Questão
no. 692. 67a Ed. Rio de Janeiro: FEB, 1987.
[2] FERREIRA, AURÉLIO BUARQUE DE HOLANDA. Dicionário
Aurélio Básico da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro:
Editora Nova Fronteira, 1988.
[3] LUIZ, ANDRÉ. Evolução em Dois
Mundos. Psicografia de F. C. Xavier e Waldo Vieira. Pág. 23.
10a Ed. Rio de Janeiro: FEB, 1987.
Fonte: Jornal Mundo Espírita
– junho/2002
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