Ao analisarmos o item 4, do capítulo
XVII, de O Evangelho segundo o Espiritismo, com o mesmo título
do presente artigo, verificamos a grandeza da lição oferecida
por Allan Kardec, definindo, com perceptibilidade, as características
do autêntico espírita, que se torna legítimo cristão,
coerente com os ensinos evangélico-doutrinários que adquire.
O texto, de notável luminosidade,
leva-nos a refletir sobre a importância de promover mudança
de rumo em nossa existência, prontos para atender ao chama mento
da mensagem libertadora, como oportunidade única de alcançarmos
objetivos retificadores. Ao conquistarmos as efetivas condições
espirituais para evolução de nós mesmos, somos
atingidos no coração e reconhecidos como verdadeiros espíritas
pela nossa transformação moral e pelos esforços
que empregamos para domar nossas inclinações infelizes.
Desventuradamente, no entanto, nem sempre
estamos dispostos a seguir certas lições que o Espiritismo
nos proporciona; somos espíritas que, sem entender a essência
dos ensinamentos doutrinários, acreditamos poder continuar na
ilusão de júbilos enganosos e nos excessos das satisfações
pessoais buscadas com ambição desmedida. Ao comentar o
problema, em O Livro dos Médiuns, o Codificador, com
propriedade e sabedoria, qualifica de espíritas imperfeitos:
Os que no Espiritismo veem mais do que
fatos; compreendem lhe a parte filosófica; ad miram a moral daí
decorrente, mas não a praticam. Insignificante ou nula é
a influência que lhes exerce nos caracteres. Em nada alteram seus
hábitos e não se privariam de um só gozo que fosse.
O avarento continua a sê-lo, o orgulhoso se conserva cheio de
si, o invejoso e o cioso sempre hostis. Consideram a caridade cristã
apenas uma bela máxima. [...]
Kardec chegou a essa conclusão
após minuciosos estudos do perfil dos inúmeros adeptos
que se ligaram à Doutrina, evidenciando que, essencialmente,
“os que não se contentam com admirar a moral espírita,
que a praticam e lhe aceitam todas as consequências” e que
“[...] tratam de aproveitar os seus breves instantes para avançar
pela senda do progresso”, são os espíritas cristãos,
aqueles que real mente compreendem a necessidade de cumprir com disciplina
e nobreza os princípios da Consoladora Revelação.
Para efeito das reflexões que
o tema possa suscitar, é importante encaminhar essas ideias para
o trabalho que executamos na seara espírita, onde é preciso
cultivar certa austeridade evangélica sem olvidar a humildade
ativa. Nas ideias expostas pelo escritor espírita Indalício
Mendes (1901 1988), encontram-se significativas
contribuições sobre a questão, ao analisar os antagonismos
existentes entre irmãos de um mesmo credo:
O Espiritismo é e tem de ser
cultivado pela humildade laboriosa. Sem humildade não há
espírito evangélico nem há soli dez doutrinária.
Devemos insistir em que a Doutrina de Kardec seja a pedra de toque da
formação moral de todos aqueles que ingressam no Espiritismo
e nele permanecem. Não podemos ter a veleidade de aspirar posições
de relevo, muito menos de adquirir supremacia nisto ou naquilo. Nosso
dever, perante Jesus e perante o Espiritismo, é ser humildes
de coração, absoluta mente fiéis às determinações
doutrinárias e ao Evangelho segundo o Espiritismo.
É indispensável pesar
as consequências dos nossos atos e adquirir postura realmente
cristã. Enganam-se aqueles que acham que as realizações
espíritas existem para disputar lugar nos labirintos do poder
religioso. Cumpre-nos, antes, trabalhar no bem e exemplificar, cuidando
para que tenhamos a capacidade de cultivar genuínos sentimentos
de amor e solidariedade para com os companheiros de jornada. A sabedoria
consiste em nos aproximarmos cada vez mais uns dos outros, efetuando,
em nossas instituições, ações conjuntas
que favoreçam a missão do Consolador Prometido em prol
da evangelização da coletividade terrestre.
A valiosa mensagem dada pelo benemerente
Espírito Bezerra de Menezes enfatiza o extraordinário
papel do Espiritismo no mundo e exalta a disposição de
Kardec, que
“[...] experimentou [...] as
incompreensões, fora e dentro dos arraiais do Movimento Espírita
[mas], teve a coragem de não desaminar; teve o valor moral
de não arremeter contra; soube expor a Doutrina com elevação,
mas viveu a cristãmente, santamente, dando nos o legado incorruptível
que devemos preservar, para passar à posteridade”.
Exemplos históricos e da atualidade
mostram os grandes erros cometidos em nome do Cristianismo, pois, “infelizmente,
as religiões hão sido sempre instrumentos de dominação”.
Sabedor das dificuldades encontradas junto aos admiradores espíritas
de sua época, o insigne Kardec, ao elaborar o capítulo
I de A Gênese, que tem como título “Caráter
da Revelação Espírita”, ressalta, em
nota ao item:
Diante de declarações
tão nítidas e tão categóricas, quais as
que se contêm neste capítulo, caem por terra todas as
alegações de tendências ao absolutismo e à
autocracia dos princípios, bem como todas as falsas assimilações
que algumas pessoas prevenidas ou mal informadas emprestam à
doutrina. Não são novas, aliás, estas declarações;
temo-las repetido muitíssimas vezes nos nossos escritos, para
que nenhuma dúvida persista a tal respeito. Elas, ao demais,
assinalam o verdadeiro papel que nos cabe, único que ambicionamos:
o de mero trabalhador.
Essa advertência nos alerta para
as inclinações que surgem do passado longínquo,
tornando nos, vez ou outra, personalistas e ávidos por posições
transitórias de destaque, nas instituições espíritas
em que atuamos. Por que pretensões individuais se o campo edificante
a semear desdobra-se para todos? O educador espiritual Emmanuel afirma
que:
O discípulo não pode
ignorar que a permanência na Terra de corre da necessidade de
trabalho proveitoso e não do uso de vantagens efêmeras
que, em muitos casos, lhe anulariam a capacidade de servir. [...]
Onde permanece a atração
do interesse pessoal, não é possível o cultivo
dos sentimentos de justiça, amor e caridade, expressos nas leis
morais. A orientação dada pelos Espíritos reveladores
contém preciosos esclarecimentos sobre co mo devemos aproveitar
os ensinos espíritas para que se transformem em abençoadas
regras de viver:
Toda virtude tem o seu mérito
próprio, porque todas indicam progresso na senda do bem. Há
virtude sempre que há resistência voluntária ao
arrastamento dos maus pendores. A sublimidade da virtude, porém,
está no sacrifício do interesse pessoal, pelo bem do próximo,
sem pensa mento oculto. A mais meritória é a que assenta
na mais desinteressada caridade. (10)
Outro ponto a destacar é que
o espírita, ciente de sua responsabilidade, se preocupa com a
disciplina, com o tempo e passa a ter mais ampla noção
do dever, que lhe exige a realização de ações
irrepreensivelmente executadas. O Espírito Emmanuel aviva nos
para um problema a enfrentar: aquele que assim age, em exatos momentos,
[...] supõe-se com mais vasta
provisão de direitos. E, por vezes, leva mais longe que o necessário
a faculdade de preservá-los e defende-los, iniciando as primeiras
formações de irascibilidade, através da superestimação
do próprio valor. Insta lado o sentimento de auto importância,
a criatura abraça facilmente melindres e mágoas, diante
de lutas naturais que considera por incompreensões e ofensas
alheias. (11)
Essa característica comporta
mental procura solidificar e declarar a sua individualidade, prejudicando,
sensivelmente, aqueles que assim agem, colocando-os em posição
crítica perante os demais companheiros, que passam a julgá-los
intolerantes e excessivamente autoritários. A aceitação
de pensamentos opostos aos nossos nos leva ao consenso. Essa preocupação,
inspirada pela bondade, sabe rá olhar com equilíbrio para
o proceder alheio.
Entretanto, “se a nossa consciência
jaz tranquila [...] no aproveitamento das oportunidades que o Senhor
nos concedeu, estejamos serenos na dificuldade e operosos na prática
do bem, à frente de quaisquer circunstâncias”, (11)
esforçando-nos para sermos bons espíritas.
Referências
1. KARDEC, Allan. O evangelho segundo
o espiritismo. Trad. Guillon Ribeiro. 25. ed. (bolso). 3. reimp. Rio
de Janeiro: FEB, 2010. Cap. 17, it. 4.
2. ______. ______. p. 295.
3. ______. O livro dos médiuns. Trad. Guillon Ribeiro. 80. ed.
1. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2009. P. 1, cap. 3, it. 28, subit. 2.
4. ______. ______. subit. 3.
5. MENDES, Indalício. Rumos doutrinários. 3. ed. 1. reimp.
Rio de Janeiro: FEB, 2010. Cap. Conduta espírita, it. Intelectualismo
pernicioso, p. 47.
6. SOUZA, Juvanir Borges de (Coordenador). Bezerra de Menezes: ontem
e hoje. 41. ed. 1. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2009. P. 3. cap. 34,
p. 232.
7. KARDEC, Allan. A gênese. Trad. Guillon Ribeiro. 52. ed. 3.
reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Cap. 1, it. 8.
8 ______. ______. It. 55, nota de Kardec, n. 11.
9. XAVIER, Francisco C. Caminho, verdade e vida. Pelo Espírito
Emmanuel. ed. esp. Rio de Janeiro: FEB, 2005. Cap. 103, p. 222.
10. KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. rad. Guillon Ribeiro.
91. ed. 2. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Q. 893.
11. XAVIER, Francisco C. Estude e viva. Pelo Espírito Emmanuel.
13. ed. 2. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Cap. 14, it. Em torno da
irritação, p. 88-89
Fonte: http://www.febnet.org.br/reformadoronline/pagina/?id=232
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